sábado, 11 de julho de 2009

A Conferência Nacional de Comunicação e o fortalecimento das mídias públicas


A Confecom carrega consigo, principalmente, um caráter estratégico, pois nela estarão em jogo os interesses do povo brasileiro, sua necessidade de construir um sistema de comunicação nacional, sustentáculo da soberania do país frente às investidas externas e capaz de dotar os brasileiros de uma informação veraz, humanizadora e civilizatória. Metas que o mercado cartelizado revelou-se incapaz de promover
BETO ALMEIDA*
Há uma linha de sintonia e coerência na convocação da Confecom feita pelo presidente Lula com as lutas históricas dos trabalhadores, dos sindicatos, dos movimentos sociais, do PT e da esquerda, e do movimento de democratização da comunicação. Lula dá continuidade a toda sua trajetória de luta em que foi alvo preferencial da oligarquia da mídia e desdobra, em ações concretas, o que ficou estabelecido no Seminário Nacional de Comunicação e Cultura do PT, realizado em meio à Campanha de 2002, quando o documento aprovado “A imaginação a serviço do Brasil” definiu claramente o fortalecimento da comunicação pública como linha de trabalho para o governo que viria ser eleito naquele mesmo ano.
Neste documento já estavam presentes as linhas de atuação na comunicação que hoje sustentam a convocação, pelo Presidente, da primeira conferência da área de comunicação que se realiza na história do Brasil. Aquele documento também definia a constituição de uma TV Pública baseada na união, centralização, qualificação e expansão dos instrumentos comunicativos que o estado brasileiro já possuía, tais como a Radiobrás, a TVE do Rio, a Rádio Nacional, a Rádio Mec, o canal NBR, a Agência Brasil. Hoje, todos estes instrumentos estão unificados na EBC – Empresa Brasil de Comunicação, cumprindo o programa de campanha Lula-Presidente de 2002.
Certamente, a expectativa dos movimentos que formam a luta pela democratização da comunicação era muito mais ampla, desproporcional à sua escassa capacidade de mobilização social hoje pela agenda da democracia na comunicação. Porém, mesmo um governo de composição como o do presidente Lula, sem maioria parlamentar, com uma base de apoio heterogênea, e sem ter nos partidos de esquerda e nos sindicatos um sólido apoio político que fizesse com que a questão da comunicação se tornasse prioridade em sua agenda nacional, avança com passos mais lentos do que o esperado, mas avança. E coloca a comunicação na agenda do Estado e da sociedade...
E talvez seja aí um ponto importante para definir política, programa e tática a serem aplicadas na Confecom de tal modo que ela resulte, senão numa ampla revolução comunicacional - improvável, já que os setores hegemônicos desta sociedade capitalista não foram plenamente desalojados de suas posições de poder - mas que seja concretamente um espaço onde os movimentos organizados da sociedade, em aliança com o governo Lula, conquistem o fortalecimento das políticas públicas de comunicação, a consolidação das estruturas de comunicação do campo público e estatal, a qualificação e democratização dos conteúdos veiculados, o apoio para uma informação conteúdo cultural que reverta o esmagamento informativo-cultural brasileiro a que o país está submetido. Porém, é exatamente nas avaliações sobre uma política clara de alianças entre os setores sociais organizados e o governo Lula representado na Confecom, estimulando a mais ampla participação popular, onde estarão concentradas as maiores possibilidades de avanço, ou, caso esta aliança política não ocorra, as principais limitações capazes de explicar eventuais frustrações.
Trata-se, a Confecom, de uma oportunidade histórica que representa por si só que o governo Lula retira o tema da penumbra - tema considerado tabu e de discussão restrita aos oligarcas e aos oligopólios da mídia - lançando-o ao debate aberto da sociedade. Só isto já tem importância política histórica. Basta analisar a importância de outras conferências nacionais temáticas como as de Saúde, a de Saúde Mental, a de Segurança Alimentar, que serviram de estruturação de políticas públicas que hoje reduzem significativamente os graus de barbárie a que a sociedade brasileira ainda está submetida tragicamente. Seria ainda mais terrível socialmente sem estas políticas públicas como a Lei Antimanicomial, o SUS, as políticas de combate a fome, o programa de aquisição de alimentos etc., tudo isto nascido das conferências nacionais.
Comparemos: mesmo os outros governos populares da América Latina, alguns mais à esquerda, que também estão adotando medidas de fortalecimento e expansão dos instrumentos públicos e estatais de comunicação não tinham chegado ao ponto de fazer uma convocação democrática da sociedade para o debate da comunicação e este aspecto deve ser valorizado porque é indicador das possibilidades de uma política e uma tática dos movimentos sociais com o setor público para avançar em medidas concretas de democratização da comunicação. Vale alertar que sem esta aliança, os movimentos sociais terão escassa possibilidade de verem algumas de suas propostas alcançadas. Primeiro porque não dispõem de força social organizada, tão é assim que a Fenaj acaba de sofrer retumbante derrota com decisão oligárquica do Supremo ao terminar com a obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão, sem qualquer chance de sensibilizar a sociedade para uma reversão a curto prazo desta medida desreguladora.
PROJETOS EM JOGO
Na Confecom, dois projetos de comunicação, na verdade projetos políticos, estarão frontalmente em jogo: de um lado a ideia de desregulamentar o setor da comunicação, auspiciada pelos oligopólios midiáticos internacionais porque querem, a partir da convergência tecnológica telecomunicação-radiodifusão, impor maiores níveis de desnacionalização na área informativo-cultural. Querem assim dar continuidade e aprofundar a linha de ocupação do audiovisual brasileiro expressa, por exemplo, na Lei do Cabo, que resultou no predomínio avassalador dos canais estrangeiros, basicamente norte-americanos, com enorme prejuízo para produção audiovisual nacional e a formação da necessária noção de nacionalidade e soberania do povo brasileiro.
De outro lado, a reação soberana que vários governos vêm implementando na América Latina, a partir da criação de emissoras de tv e rádio públicas e estatais, a partir também de jornais estatais - como o jornal Cambio, na Bolívia, e o jornal Correo do Orenoco, na Venezuela - que fazem a disputa com o jornalismo da desintegração promovido pelos veículos ligados à sinistra SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa), historicamente vinculada às criminosas ações da CIA contra os povos latino-americanos. Entre estes exemplos positivos estão a Telesur (que agora tem oferecido exemplar cobertura de jornalismo anti-hegemônico no golpe militar de Honduras), o Canal Encuentro, da Argentina, em sinal aberto e disputando frontalmente com a programação de baixaria dos canais privados, a partir da exibição de programas humanísticos, de um jornalismo cidadão que questiona a programação consumista e degradante da tv-comércio. Também podemos citar as boas experiências da Venezuela, que vai alterando sua legislação de comunicação, estimulando a recuperação da produção audiovisual nacional em detrimento da invasão dos lixos de Miami, e que também já debate maneiras de considerar o espaço radio-elétrico como propriedade do povo venezuelano, o que significa que mesmo os empresários privados devem pagar pelo seu uso. Além disso, o governo bolivariano está considerando a possibilidade de instalar um sistema público para o controle dos anúncios privados, já que por meio da veiculação destes, verdadeiras fortunas são acumuladas sem que os verdadeiros donos do espaço radio-elétrico, o povo da Venezuela, seja beneficiado pelo transporte destes sinais sem qualquer tipo de cobrança que resulte em benefício da Nação venezuelana. Todas estas são experiências de controle público que não dispensam o fortalecimento do protagonismo do estado, ao contrário, estão diretamente ligadas a este novo protagonismo.
Aqui na Confecom as propostas para o fortalecimento das políticas públicas sofrerão enorme combate da grande mídia comercial subordinada ao poder dos anunciantes que, em sua maioria, os mais poderosos, são as transnacionais ou poder econômico-financeiro a elas submetido. Os oligopólios transnacionais querem, por exemplo, avançar na demolição de todo e qualquer instrumento legislativo que proteja o mercado brasileiro de comunicação das suas investidas expansionistas e colonizadoras, uma operação para ampliar o controle do fluxo mundial da informação e da comunicação, com a finalidade de impor os valores que mais importam para o imperialismo, suas operações de guerra, a criminosa ação de sua indústria bélica, das transnacionais farmacêuticas ou do veneno (é o Brasil o maior consumidor de agrotóxico no mundo), suas linhas ideológicas de desestabilização de todo e qualquer governo que pretenda nacionalizar seus recursos, como ocorre com a Venezuela, Bolívia, Equador, alvos de terrorismo midiático internacional. E o Brasil, com tantas riquezas a preservar, a nacionalizar em favor do progresso do povo brasileiro, como o petróleo do pré-sal, por exemplo, é sempre um alvo prioritário para o imperialismo, suas agências midiáticas expansionistas e de projetos sustentados por agências e fundações vinculadas aos objetivos estratégicos do aparato de estado imperial norte-americano, sempre buscando criar áreas de influência e dependência político-financeira nos segmentos universitários, intelectuais, que repercutam os interesses da política externa dos EUA, radicalmente contrária a uma linha de nacionalização da comunicação e ao fortalecimento das emissoras estatais e públicas.
Por isso a SIP critica Lula por ter criado a TV Brasil e também por ter convocado a Confecom, já que vê nestas medidas o prejuízo para seus sinistros planos dirigidos a ampliar a vulnerabilidade ideológica do Brasil, para o quê precisa de desregulamentação generalizada e estado raquítico, sem instrumentos próprios de comunicação.
PROPOSTAS
É preciso que a TV Brasil, as TVs legislativas, educativas e universitárias sigam o exemplo das tvs comunitárias do Rio e de Brasília que estão promovendo debates com diferentes segmentos sociais, visando construir uma agenda programática a ser sustentada na Confecom. Inclusive para defender que todas escapem do confinamento da lei do cabo e tenham sinal aberto no sistema digital, ampliando a pluralidade e a regionalização informativa nacional. Evidentemente, esta agenda não pode ser tão ampla que nem mesmo um governo de composição heterogênea consiga sustentar, nem pode estar mais além da precária capacidade de mobilização dos movimentos sociais de democratização da comunicação. Mas pode ser uma agenda que contemple a linha de fortalecimento, expansão, qualificação e consolidação dos instrumentos de comunicação públicos e estatais e de recuperação dos espaços públicos midiáticos em curso pela América Latina.
Exemplo disto é manter, consolidar e democratizar a Voz do Brasil, programa de enorme audiência e com enorme importância para uma massa de milhões de brasileiros que praticamente está proibida da leitura de jornais, cujas tiragens são cronicamente raquíticas e registram linha de queda, juntamente com a sua já precária credibilidade.
A Voz do Brasil deve incluir o direito de antena, regulamentando o acesso sistemático dos diferentes segmentos organizados da sociedade em sua grade. Mas, a Voz do Brasil está na linha de tiro. Os comerciantes da comunicação querem tomar o espaço de 1 hora da Voz do Brasil para fazer mais consumismo, mais baixaria, mas também para quebrar o simbolismo do único programa jornalístico de caráter nacional que informa sobre todas as ações dos poderes públicos, quando os veículos comerciais informam apenas aquilo que interessa a seus anunciantes, ou estão apenas preocupados com o seu “vale-tudo” pela audiência. Para milhões de brasileiros espalhados pelos grotões a Voz do Brasil é talvez a única oportunidade de ter a presença em sua região dos poderes públicos, por meio da informação. Que, obviamente, pode ser melhor qualificada, jornalisticamente falando.
É preciso que a Confecom apresente medidas que façam da TV Brasil uma tv de fato nacional, capaz de chegar a todo o território nacional, disputando de fato audiência com a programação embrutecedora das tvs de mercado e de consumismo. Mas para isto é preciso investir em equipamentos mais modernos, melhorar seu sinal, melhorar e ampliar sua programação nacional (uma emissora que sai do ar de madrugada não está fazendo a disputa de audiência), e não deve conformar-se com “decreto” de não fazer teledramaturgia, ou de não pretender dar cobertura ao futebol e às festas populares, especialmente o Carnaval do Rio de Janeiro. É preciso ainda reformular a linha editorial pois a cobertura de muitos fatos nacionais e internacionais ainda está fortemente marcada por um jornalismo convencional.
Exemplo disso é que a linha da editoria internacional da TV Brasil revela coincidências editoriais com o jornalismo de desintegração, em franca falta de sintonia com a política externa do Brasil, que segue uma linha de integração, de promoção de uma nova ordem internacional sem supremacia dos países mais poderosos. Apesar das mudanças na política externa, apesar da simbologia do novo expressa na convocação de uma Confecom, a TV Brasil segue difundindo uma linha editorial predominantemente marcada pelas agências editorialmente dirigidas pelos países centrais do capitalismo, quando é perfeitamente possível e urgente fazer um jornalismo plural, que questione as hegemonias, que tenha novos olhares sobre os problemas mais agudos da cena internacional.
As experiências positivas da criação do Blog da Petrobrás e a da nova política de redistribuição democrática e nacional dos anúncios oficiais, alcançando muitos outros municípios e veículos de comunicação, indicam que algo mais audacioso também pode ser feito pela Empresa Brasil de Comunicação, sobretudo em suas rádios. Não tem sentido as emissoras de rádio da EBC não fazerem um jornalismo mais incisivo e agressivo como fazem as rádios privadas, embora com o claro e exclusivo intuito de promover uma guerra midiática contra o governo Lula, por vezes numa clara prática anti-jornalística. Exemplo notável desta falta de faro jornalístico das Rádios da EBC ocorreu quando do encontro de Lula com Obama, quando a entrevista coletiva foi transmitida ao vivo desde a Casa Branca por rádios privadas brasileiras, ao tempo em que as emissoras da EBC continuavam tocando apenas música, sem transmitir o encontro de inequívoco simbolismo estratégico. Como disputar a audiência com as rádios privadas sem ter este faro jornalístico?
Também é fundamental que na agenda dos movimentos sociais para a Confecom sejam apresentadas propostas para a consolidação das tvs comunitárias e universitárias, para que suas programações também sejam veiculadas em sinal aberto digital, escapando do confinamento atual da lei do Cabo que é um verdadeiro apartheid audiovisual. Para tanto, é importante que se criem mecanismos como um Fundo Público para a Comunicação capaz de garantir a estas emissoras do campo público (incluindo as educativas, comunitárias, universitárias) uma possibilidade real de estruturação, com equipamentos mais modernos, melhoria de seus recursos humanos e qualificação de sua programação, o que tem pleno respaldo no disposto na Constituição Federal, assegurando uma comunicação plural, diversificada, regionalizada, educativa e humanista.
Assim, a experiência da convocação da Confecom pelo governo Lula é de fundamental importância para que a sociedade possa amadurecer em sua leitura crítica da comunicação, desenvolvendo sua capacidade de reivindicar e de participar na construção de outros instrumentos públicos comunicativos, o que só poderá ter sucesso com o fortalecimento do protagonismo do estado nesta área, tal como tem se dado em outras áreas, como na indústria naval, para dar um exemplo.
Como alerta, citemos exemplo negativo do que significa a demolição do estado: a ocupação de 90 por cento do mercado do cinema brasileiro por filmes norte-americanos, uma ocupação que foi preparada claramente com a extinção da Embrafilme. Na época, com a Embrafilme, o cinema brasileiro chegou a ter o controle de 40 por cento do mercado cinematográfico nacional.
O mesmo estaria sendo planejado pelos oligopólios midiáticos estrangeiros, visando demolir as poucas ferramentas de proteção da comunicação nacional, como se evidencia no conteúdo do Projeto de Lei número 29 que desnacionaliza radicalmente o setor.
Por isso mesmo, é fundamental incluir na agenda da Confecom a imperiosa necessidade de recuperar o protagonismo de estado na área das telecomunicações, reintroduzindo a Telebrás como alavanca fundamental no processo da convergência tecnológica, caso contrário esta apenas se dará ao sabor da capacidade dos gigantes conglomerados transnacionais de ocupar, cartelizar e esmagar qualquer possibilidade de uma política pública, de controle público e de um verdadeiro controle nacional para a era da comunicação digital que se inaugura. Sem presença de instrumentos do estado, como a Telebrás, a digitalização será sinônimo de desnacionalização e oligopolização, soterrando todas as expectativas de democratização.
Neste mesmo diapasão deve ser considerada a importância do Brasil recuperar ou reconstruir uma empresa estatal do porte do que foi a Embratel, hoje uma empresa nas mãos do capital estrangeiro, permitindo que informações estratégicas do país encontrem-se sob controle dos EUA e de suas políticas expansionistas. Será também o momento de se medir os verdadeiros crimes de lesa-pátria cometidos durante a era da privataria tucana.
Para fazer frente às investidas dos oligopólios internacionais e para fazer avançar e expandir os instrumentos públicos e estatais de comunicação e informação, é decisiva uma aliança dos movimentos sociais com o governo Lula, aliança que, em alguns pontos, pode até mesmo contar com segmentos do empresariado nacional da comunicação, amedrontados com a devastadora expansão da ditadura midiática mundial de alguns poucos conglomerados gigantes apoiados pelo imperialismo.
Diante disto, a Confecom carrega consigo, principalmente, um caráter estratégico, pois nela estarão em jogo os interesses do povo brasileiro, sua necessidade de construir um sistema de comunicação nacional, sustentáculo da soberania do país frente às investidas externas e capaz de dotar os brasileiros de uma informação veraz, plural, humanizadora e civilizatória. Metas que o mercado cartelizado revelou-se incapaz de promover.
* Presidente da TV Comunitária de Brasília

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