sexta-feira, 5 de junho de 2009

Fisk: Obama discursa em um Estado torturador

Obama discursa em um Estado torturador
Atualizado em 04 de junho de 2009 às 00:16 Publicado em 04 de junho de 2009 às 00:02
Obama, no Cairo: discurso para prestigiar Estado torturador?
3/6/2009, Robert Fisk, The Independent, UK
http://www.independent.co.uk/opinion/commentators/fisk/robert-fisk-police-state-is-the-wrong-venue-for-obamas-speech-1695487.htmlÉ possível que Barack Obama tenha escolhido o Egito para sua "grande mensagem" aos muçulmanos, amanhã, porque na região vive um quarto da população árabe do mundo. Mas é a região, ao mesmo tempo, onde impera um dos mais repressivos, antidemocráticas e cruéis Estados torturadores. Os grupos que defendem os direitos humanos no Egito – além de eles mesmos serem perseguidos e encarcerados pelas autoridades egípcias – têm listas impressionantes de casos de tortura pela polícia, de assassinatos 'seletivos', de prisioneiros políticos e de ataques autorizados pelo Estado contra figuras do mundo político que nunca deixaram de acontecer e se estendem até hoje.A triste verdade é que a decadência do poder moral dos EUA sob o governo de George W. Bush é tal, que Obama talvez tivesse de fazer seu discurso na Cisjordânia ou em Gaza ocupadas, se quisesse realmente tentar começar a reverter o profundo ressentimento e a fúria de que os muçulmanos foram sendo tomados nos últimos oito anos. Isso, Obama não fará, é claro. Então, infelizmente, terá de ser no Egito, ainda que se acredite que Obama não vê a miséria e o medo em que os egípcios vivem mergulhados.Há apenas uma semana, por exemplo, o líder do partido Ghad, de oposição, Ayman Nour – libertado em fevereiro das prisões do regime do presidente Hosni Mubarak – denunciou que foi assaltado numa rua do Cairo por um homem que levava um lança-chamas de fabricação caseira, que lhe provocou queimaduras de primeiro grau no rosto.
Nour passou três anos preso e está indignado com a visita de Obama. "Parece que a visita visa a fazer aumentar o poder dos regimes, não do povo", disse ele. "Estamos absolutamente indignados, por ver o quanto a sociedade civil e o povo do Egito estão sendo ignorados. A impressão que se tem é que os interesses dos EUA são mais importantes que os princípios da democracia dos EUA." As investigações dos grupos de direitos humanos mostram que Nour tem todos os motivos para estar indignado.O mais recente relatório do Cairo Institute for Human Rights (CIHR) sobre abusos praticados pelas autoridades do governo no mundo árabe vem recheado de exemplos de brutalidade praticada pelo Estado, com 29 casos de tortura e abuso de prisioneiros nas delegacias de polícia do Egito, em apenas seis meses.
A Egyptian Organisation of Human Rights, grupo independente, descobriu que 10 dos 29 torturados morreram em consequência das torturas. Em um dos casos, os grupos de defesa dos direitos humanos tem uma fita da gravação da tortura de um prisioneiro estuprado por um policial armado de cassetete.
Outros vídeos mostram uma mulher, da oposição a Mubarak, estuprada por um policial fardado, numa rua do Cairo. Só durante o ano de 2007, o sindicato dos jornalistas do Egito denunciou que 1.000 jornalistas foram indiciados em investigações conduzidas pelo governo de Mubarak.Caso a destacar, diz o relatório do CIHR, o de Ibrahim Eissa, editor do jornal Al-Dastour, condenado a pena de dois meses de cadeia por ter publicado notícias que o governo considerou "falsas" sobre a saúde de Mubarak, publicação que, segundo a denúncia, "comprometeu a segurança nacional".
Não por acaso, a televisão estatal egípcia já não mostra filmes recentes em que Mubarak apareça subindo escadas, em aviões ou em palcos; os egípcios, é claro, já perceberam e perguntam-se por quê. Quando Sa'ad eddin Ibrahim, do Ibn Khaldun Centre for Development Studies, exigiu que os EUA condicionassem a ajuda de bilhões de dólares ao Egito à implantação de uma reforma democrática no Egito, foi condenado à revelia a dois anos de trabalhos forçados.
Vários blogueiros foram presos por convocar greve geral, ano passado, no dia das comemorações dos 80 anos de Mubarak. Howeida Taha, da rede Al-Jazeera, foi condenado ano passado a 16 meses de prisão, por "dano à imagem do Egito", por ter filmado cenas de tortura em delegacias de polícia.Os militantes das organizações de direitos humanos têm sido também fisicamente agredidos, além das condenações e prisões. Quando a Dra. Magda Adly, do Al-Nadeem Centre para reabilitação de vítimas de torturas, saía de uma delegacia em Kafr el-Dawa, depois de entrevistar quatro detidos que disseram ter sido torturados, foi atacada, deixada caída na calçada, inconsciente e com um braço quebrado.Por que Mubarak permite que essas obscenidades continuem a acontecer? Será que realmente crê nos números extraordinários das eleições presidenciais – venceu a eleição de 1999, com 93,79% dos votos; antes, em 1993, foram 96,3% – ou, aos 81 anos, tem medo dos adversários políticos, por menor que seja o poder deles? Será que discutirá esse tema com Obama? É pouco provável.É verdade que o relatório do CIHR também registra ataques escandalosos a jornalistas, também pelas chamadas cortes islâmicas, também com registros de mortes. Há longa lista de denúncias de torturas e execuções também por outros regimes árabes, da Tunísia à Síria, e também na Cisjordânia e em Gaza ocupadas por Israel. Então... talvez Obama nada tenha a ver com isso.

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