sexta-feira, 22 de maio de 2009

PROGRAMA DE EMANCIPAÇÃO DO BRASIL

(GETULIO VARGAS)
CLÁUDIO CAMPOS

O Brasil atravessa momentos decisivos da sua história. Ao mesmo tempo em que uma catástrofe econômico-social ameaça desabar sobre nosso país. Nosso povo, cansado de tantas promessas não cumpridas, traições, desenganos, injustiças, se prepara para tomar seu destino nas mãos. Cada vez mais se desmascara a prática de uma oligarquia que tem governado este país com o único objetivo de locupletar-se, pouco se lixando para os interesses nacionais e as necessidades mais sentidas de nosso povo. O manifesto em defesa da soberania e da integridade do Brasil, lançado por figuras de proa do meio civil e militar e pelas entidades populares mais representativas, expressa, com profundidade, a vontade de mudança do Brasil.

A raiz da crise brasileira está no esgotamento, desde meados da década de 70, de um modelo econômico que tem como característica básica a dependência externa e que, em consequência disso, tem que excluir a quase totalidade de nosso povo dos frutos do progresso. As riquezas aqui produzidas, em lugar de serem investidas no desenvolvimento do país, na geração de emprego e na melhoria dos níveis de vida dos brasileiros, vêm sendo apropriadas por monopólios estrangeiros, em conluio com uma oligarquia financeira interna.


Expressão disso é o fato de que, nos últimos seis anos, as 7.500 filiais de empresas estrangeiras instaladas no Brasil transferiram para suas matrizes US$ 9 bilhões, enquanto só investiram US$ 458 milhões em nosso país.
Essa nova dependência externa do país substituiu um período de relativa independência econômica inaugurada pela Revolução de 30. As empresas transnacionais, particularmente as norte-americanas, após o término da Grande Guerra, da Guerra da Coréia e do período de reconstrução econômica da Europa, invadiram agressivamente países como o nosso, passando a dominar o essencial de nossas economias. A economia dependente que daí nasceu, além de explorar exaustivamente nossas riquezas naturais e sugar o sangue e o suor do nosso povo, freou nossas possibilidades de desenvolvimento, deformou nossa economia e a tornou altamente vulnerável.

Ao tentar manter sob seu domínio a indústria de máquinas e equipamentos, particularmente nos setores de tecnologia mais avançada, os trustes e cartéis estrangeiros procuram, por todos os meios, impedir o desenvolvimento em países como o nosso desse setor industrial estratégico. Isso não apenas em face dos superlucros que obtêm com a venda desses bens para países em desenvolvimento, mas, também, porque sabem que um país que implanta sua indústria pesada está a um passo da independência, principalmente quando se trata de um país como o Brasil, que é auto-suficiente em recursos naturais. Sem uma indústria interna de meios de produção, sobretudo na área de máquinas e equipamentos, um país é obrigado a comprá-los no exterior a preços exorbitantes e, ao mesmo tempo, deixa de participar de um segmento expressivo e altamente rentável do mercado internacional (quem exporta minérios brutos, participa de uma fatia que corresponde a apenas 1% do comércio internacional, quando, dispondo de uma indústria pesada, passa a participar de uma fatia acima de 50% desse comércio).

Por outro lado, ao ter que viabilizar simultaneamente um determinado nível de investimento interno e a remessa para o exterior de grande parte dos lucros obtidos pelo capital estrangeiro aqui investido, essa economia dependente impõe uma brutal exploração dos trabalhadores, empurrando seus salários para níveis que, na maioria das vezes, ficam abaixo do mínimo de sobrevivência. A massa salarial no Brasil, em conseqüência disso, caiu de 56,6% da renda nacional em 1949 para menos de 30% atualmente. O resultado direto é o estrangulamento do mercado interno, particularmente para os ramos que produzem bens de consumo popular (têxtil, calçados, alimentos). Para sobreviver, esse setor passa a depender do mercado externo, o que lhe confere um elevado grau de vulnerabilidade, que se transmite para o conjunto da economia.

Ao mesmo tempo em que barrava o crescimento interno das indústria de máquinas e equipamentos e de bens de consumo popular, o capital imperialista expandia, rapidamente, em nosso país, o setor de bens de consumo de luxo, sobretudo de bens duráveis de consumo, puxado pela indústria automobilística. Era a forma de desovar as fábricas obsoletas que perdiam competitividade no cenário de ressurgimento dos conflitos interimperialistas. Esse setor, ademais, contava com um mercado interno em expansão no Brasil, graças ao intenso processo de concentração de renda derivado do próprio modelo dependente, que fez nascer uma parcela ponderável de setores médios com elevados níveis de renda.

O principal instrumento utilizado para esse ingresso de capital estrangeiro foi a Instrução 113, da antiga Superintendência da Moeda e do Crédito, atual Banco Central, da lavra do economista Eugênio Gudin, velho entreguista, que se aproveitou do clima de perplexidade que sucedeu à morte de Getúlio Vargas para assumir a pasta da economia no governo Café Filho. Antes, em polêmica com Roberto Simonsen, pregava uma suposta vocação agrícola para o Brasil, certamente com o objetivo de manter nosso mercado interno sob monopólio dos produtos industriais dos países centrais.


No entanto, quando a industrialização se tornou inevitável, com o processo de substituição de importações deflagrado por Vargas, Gudin passou a defender que ela se desse sob controle estrangeiro. O que ele não queria mesmo era que o Brasil caminhasse com as próprias pernas, sob comando dos brasileiros.
Essa penetração massiva do capital estrangeiro em nosso país levou a que, já na década de 70, suas sucursais no país passassem a controlar um terço do capital industrial aqui instalado e 45% das vendas industriais internas. Além disso, ao provocar o crescimento desproporcional do setor de bens duráveis de consumo em relação aos demais setores produtivos, produziu uma economia totalmente desintegrada e deformada, dependente do exterior para abastecer-se de meios de produção e para vender sua produção de bens de consumo popular.

Do ventre da economia dependente, nasceu uma dívida externa, que, na fase inicial (quando chegou a US$ 12 bilhões), somou-se ao superlucro monopólico obtido em cima do arrocho salarial para ajudar a financiar o modelo dependente. Mas, a partir de determinado momento (1973/74), com a enorme e abrupta elevação das taxas de juros nos EUA, a dívida cresceu, de forma vertiginosa, tão-somente para bancar o pagamento de seus próprios encargos, chegando aos atuais US$ 149 bilhões, dos quais US$ 30 bilhões constituídos de capitais especulativos. Inaugurava-se uma ciranda em que a dívida passou a gerar mais dívida, aumentando o poder do capital financeiro internacional sobre nossa economia e intensificando, em conseqüência, a forma mais espoliativa do domínio imperial: ganhar sem nada produzir.

Essa economia ainda conseguiu crescer durante um certo tempo, mantendo a trajetória que vinha de antes. A economia brasileira foi a que mais cresceu no mundo capitalista – 7% ao ano – nas cinco décadas que vão de 1930 a 1980. Mas isso se deveu, sobretudo, ao processo de desenvolvimento independente deflagrado com a Revolução de 30, que manteve algumas de suas características básicas e, portanto, suas potencialidades desenvolvimentistas mesmo depois que se consolidou o modelo dependente. Formara-se antes uma economia tão pujante – crescia 10% ao ano – que o domínio imperialista não conseguiu subjugá-la inteiramente ou mesmo destruí-la, como fez com outras nações mais débeis.

Reforçando esse fato, a presença de forças nacionais ao interior do regime de 64 permitiu não apenas preservar como, inclusive, desenvolver algumas das características mais importantes da economia independente – as estatais estratégicas, a substituição de importações, a reserva de mercado, medidas protecionistas, mecanismos oficiais de financiamento de empresas nacionais, etc. No entanto, o entreguismo deslavado que, por muito tempo, preponderou na área econômica, sob o comando de Octávio Gouveia de Bulhões, Roberto Campos e Mário Henrique Simonsen, todos discípulos confessos de Eugênio Gudin, impediu que essas características independentes tivessem um maior desenvolvimento, ao mesmo tempo em que reforçava a dependência externa.

O grau de vulnerabilidade externa e as deformações internas, nascidos do ventre da dependência, cresceram a tal ponto que haveriam de bloquear, rapidamente, as virtualidades desenvolvimentistas de nosso país. Foi o que ocorreu a partir da primeira metade da década de 70. A economia norte-americana, tão logo entrou em decadência, na virada dos anos 60 para os anos 70, sob a pressão do avanço econômico do Japão e da Alemanha (a participação norte-americana no PIB do G-7, constituído dos sete países capitalistas mais desenvolvidos, que era de 68,6% em 1950, mal chega a 38,2% atualmente; enquanto isso, os PIB´s japonês e alemão, que, no final da guerra, não passavam, cada um, de 10% do norte-americano, atingem, hoje, respectivamente, dois terços e um terço, sendo, ademais, mais desenvolvidos tecnologicamente em todos os setores fundamentais), enfrentou ao conseqüente ressurgimento dos conflitos inter-imperialistas com a tentativa de aumentar a espoliação dos povos do Terceiro Mundo. Amarrada que estava à economia do império em declínio, a economia brasileira perdeu seu impulso desenvolvimentista. A economia dependente passou a brecar e a deformar muito mais profundamente do que antes nossas possibilidades de desenvolvimento.

Vulnerável como estava, os efeitos da crise mundial, nascida nos EUA no começo dos 70, se fizeram sentir imediatamente na economia brasileira. A crise da economia dos EUA, que já vinha, silenciosamente, devorando suas entranhas, prorrompeu em 1971, quando, no maior calote de todos os tempos, o governo Nixon suspendeu os “acordos de Bretton Woods”, que estabeleciam a paridade e a livre-conversibilidade do dólar. Era a expressão monetária da estagnação tecnológica dos EUA e do simultâneo aumento da produtividade do trabalho do Japão e da Alemanha. Esgotava-se a ordem internacional de pós-guerra, hegemonizada pelo dólar e pela economia norte-americana. A profunda e generalizada recessão que lhe sucedeu (1973/74) invadiu todo o mundo capitalista, afetando grandemente aos países dependentes, entre eles o Brasil.

Sem uma indústria interna de meios de produção, o Brasil teve que aumentar drasticamente suas importações desses produtos: cresceram de US$ 1,7 bilhão em 1970 para US$ 10,1 bilhões em 1975, em grande parte devido ao aumento dos preços praticados pelos monopólios dos países centrais, como resposta à crise. Com uma dívida externa explosiva, a remessa de juros multiplicou-se por sete de 1970 para 1975/76, em face da elevação abrupta das taxas de juros pelos banqueiros norte-americanos. Com o mercado interno de bens de consumo popular estrangulado, esse setor teve seu crescimento bloqueado quando lhe faltou o mercado externo, em recessão.

A dependência cobrava seu preço na instauração de uma crise cambial, que rapidamente impregnou o conjunto da economia brasileira. A crise cambial refletiu, na realidade, o aumento da espoliação imperialista sobre nossa economia, forma de os monopólios norte-americanos enfrentarem a estagnação em que mergulhariam a partir de então.


Esse aumento da espoliação externa se manifestou através da elevação dos juros internacionais, das remessas de lucros para o exterior e dos preços dos bens de capital que importamos, ao lado da queda dos preços dos produtos que exportamos. O PIB brasileiro, que crescera a uma taxa anual de 10% de 1968 a 1974, só cresceu 5,7% em 1975. Começava o esgotamento do modelo dependente. Os estreitos limites da dependência externa impuseram um forte freio ao desenvolvimento econômico do país, derrubando, ao mesmo tempo, a fantasia de que era possível driblar, indefinidamente, os limites impostos por uma economia dominada pelo imperialismo.

O Brasil só não mergulhou imediatamente em profunda estagnação, como ocorria com o resto do mundo, porque em 1974 começou-se a implementar o II Plano Nacional de Desenvolvimento, que, ao realizar algum grau de enfrentamento do modelo dependente e desenvolver um importante programa de substituição de importações nas áreas de energia, máquinas, equipamentos e insumos básicos, integrou mais e fortaleceu a economia nacional. Ao mesmo tempo, se paralisava o processo de redução do salário real, amenizando o caráter excludente e de estreitamento do mercado interno da economia dependente. Nesse período, as forças nacionais que integravam o regime ditatorial, que antes estavam em situação secundária, adquiriram peso ao interior do governo, bancando a implementação de um programa econômico relativamente independente (que, infelizmente, não foi levado às últimas conseqüências, por pressões externas). Isso permitiu que a economia brasileira, em lugar de mergulhar na crise, pudesse crescer a 6,8% ao ano entre 1974 e 1980.

Desmentindo aos eternos vassalos da metrópole, que procuravam desacreditar aos que tinham fé no desenvolvimento nacional, o Brasil, em cinco décadas, emergiu de uma economia agro-exportadora atrasada e construiu uma economia urbano-industrial moderna.


De 1930 a 1960, na fase de desenvolvimento independente, internalizou-se a produção de bens de consumo popular e de alguns setores de insumos básicos; na fase de nascimento e expansão do modelo dependente, dos anos 50 ao início dos 70, desenvolveu-se a indústria de bens duráveis de consumo, sob controle estrangeiro, nos anos 70, com relativo enfrentamento da dependência externa, realizou-se a substituição de importações nas áreas de máquinas, equipamentos, energia e insumos básicos. Só não foi mais longe porque a dependência externa não permitiu.

Mesmo assim, estava o Brasil preparado, do ponto de vista da estrutura produtiva, para, nos anos 80, avançar na conquista das tecnologias de ponta (informática, microeletrônica, engenharia genética, biotecnologia, novos materiais etc.) e completar seu processo de industrialização e integração econômica interna. No entanto, mais uma vez, e desta vez de maneira mais dramática, a dependência cobrava seu preço: em lugar de dar esse salto, a economia brasileira mergulhou num período de estagnação, apenas com ligeiros interregnos de expansão, chegando a destruir forças produtivas antes acumuladas. Ao longo de toda a década de 80, nosso PIB só cresceu 22%, dando uma taxa média anual abaixo dos 2%. Como a população cresceu nesse mesmo ritmo, a renda por habitante permaneceu estacionária nos anos 80, na faixa dos US$ 3 mil. A taxa bruta de investimento baixou de 23,3% do PIB na década de 70 para a faixa dos 15% no começo dos 90, mal dando para repor a depreciação do capital fixo. A crise afetou gravemente ao setor industrial: a taxa média anual de crescimento da produção industrial baixou de 9% na década de 70 para tão-somente 0,8% entre 1980 e 1993.

A situação só não foi mais dramática porque, de um lado, o desenvolvimento interno da indústria de máquinas, equipamentos, energia e insumos básicos, deflagrado pelo II PND, havia fortalecido a economia nacional e, de outro, porque o Plano Cruzado, preparado em 1985 e deflagrado em 1986, ao enfrentar, ainda que de forma insuficiente e temporária, as práticas monopolistas internas e realizar algum grau de distribuição de renda, chegou, pelo menos, a arranhar o modelo dependente, permitindo um crescimento anual do PIB de 7% na quadra 1985/86. Infelizmente, foi retardada a moratória da dívida externa, que só se realizou no começo de 1987, quando o Plano Cruzado já havia feito água e as reservas cambiais já estavam quase esgotadas.

A estagnação econômica dos anos 80 se deveu ao aumento da espoliação externa, decorrente de nova e mais drástica elevação das taxas de juros internacionais, combinada com a suspensão de novos empréstimos, caminho adotado pelo decadente imperialismo norte-americano como forma de sugar as economias do Terceiro Mundo a fim de tentar enfrentar a grave crise econômica em que mergulhara. O Brasil, em decorrência disso, foi sangrado anualmente, durante a década de 80, em um terço de sua poupança líquida, isto é, de sua capacidade de investimento. Para pagar esses juros externos, o governo brasileiro emitia títulos da dívida interna, os vendia no mercado a fim de obter moeda nacional e adquirir os dólares dos exportadores, com isso, produziu-se uma dívida pública interna, que saltou de 4,2% do PIB em 1980 para 15% em 1989. Apesar disso, a dívida externa não diminuiu; ao contrário; saltou de US$ 64,2 bilhões em 1980 para os atuais US$ 149 bilhões. Vejam o absurdo: pagaram-se, de 1980 a 1993, US$ 195 bilhões de “serviço” da dívida externa e, ainda assim, além de se haver gerado uma dívida interna monstruosa, se multiplicou por 2,3 a dívida externa. Quanto mais se pagava, mais se devia, num desafio frontal à aritmética mais elementar.

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