sábado, 31 de janeiro de 2009


Taxa Selic elevada alimenta spread bancário astronômico




Taxa de juro do BC é um guarda-chuva para os bancos sem correr os riscos dos empréstimos.



Recentemente, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, interpelou o presidente do Bradesco e da Febraban, depois que este sugeriu que o Comitê de Política Monetária do BC deveria se reunir com mais frequência para que a queda na taxa de juros básica (Selic) fosse acelerada. “Vamos falar seriamente, o problema não é a Selic, é o spread bancário”, disse Meirelles.



O “spread” é a diferença entre a taxa com que um banco capta dinheiro e a taxa com que empresta esse dinheiro. Um dos principais componentes do “spread” é a taxa básica de juros, pela qual são remunerados os títulos públicos comprados pelos bancos. Mas, segundo a percuciente teoria que Meirelles formulou alguns dias depois, “o spread se descolou da Selic”. Ou seja, o “spread” dos bancos nada teria a ver com a taxa de juros do Banco Central.



Se essa tolice fosse verdade, seria um fenômeno econômico tão milagroso que só Nossa Senhora de Fátima poderia explicar. Como Meirelles não tem vocação – nem físico - para a santidade, e como suas tolices, em geral, são muito interessadas, vejamos mais de perto esta questão. Porém, antes, uma preliminar.


CRÉDITO



O volume do crédito no Brasil é atrofiado em relação ao tamanho da economia. No final de 2008, depois da extraordinária expansão do crédito no governo Lula, ele equivalia a 41,3% do PIB. No Japão, equivalia a 180%, na Inglaterra a 160%, na França a 90% do PIB. Aliás, foi o próprio Meirelles quem afirmou que o volume de crédito no Brasil era tão baixo que nem chegava ao das Filipinas, Hungria, Chile, Tailândia, Coréia do Sul ou Malásia (v. sua conferência, de título quase autobiográfico, “Brasil: O desafio do crescimento”).



A razão principal para uma restrição tão grande do crédito são os altíssimos “spreads” bancários. E a base para esses “spreads” é a altíssima taxa básica de juros do Banco Central. Essa taxa, inclusive, impede os bancos públicos de baixar seu “spread”. Voltemos, então, a este.



Segundo dados divulgados pelo BC na última terça-feira, os bancos, em dezembro, estavam pagando uma taxa, em média, de 12,6% ao ano pelo dinheiro que captam. Esse dinheiro estava sendo emprestado a uma taxa - também em média - de 43,2% ao ano. Portanto, a média do “spread” bancário, considerados os empréstimos a pessoas e empresas, estava em 30,6 pontos percentuais.



Se considerados somente os empréstimos a pessoas, esse “spread” estava em 45,1 pontos percentuais, margem verdadeiramente cosmológica, significando que o dinheiro pelo qual os bancos pagavam 12,6% ao ano estava sendo emprestado a uma taxa média de 57,7% ao ano. No caso das empresas, esse dinheiro era emprestado a uma média de 30,9% ao ano. É necessário observar que essas taxas médias são referentes ao que os bancos e seus consultores chamam de “clientes de primeira linha”. Para outros, a maioria, as taxas – e, por consequência, o “spread” - são muito maiores.



Trata-se, provavelmente, do maior “spread” do mundo, inviabilizando que a maior parte das empresas e dos consumidores tomem financiamentos nos bancos.
O problema é: por que o “spread” é tão alto no Brasil?
O economista Victor José Hohl, que trabalhou durante 17 anos no BC, formulou uma resposta sintética para essa pergunta: “O principal motivo é que as instituições financeiras não estão realmente interessadas em emprestar”.



E por que os bancos não estão interessados em emprestar?
Porque a taxa que o Banco Central estabelece para os títulos públicos é elevadíssima. Sem correr riscos, sem emprestar a empresas e pessoas, os bancos têm lucros estratosféricos com a mera compra de títulos públicos indexados às taxas do Banco Central. Os juros que os bancos auferem com esses títulos, juros que são estabelecidos pelo Copom/BC, são suficientes para que tenham entradas bilionárias - sem qualquer espécie de risco.


Evidentemente, isso nada tem a ver com “mercado”. O BC, na verdade, ceva um monopólio bancário com suas altas taxas de juros – e com dinheiro público. Tendo garantidos esses elevados lucros, os bancos estabelecem “spreads” altíssimos quando se trata de emprestar a empresas e pessoas. Se estes não quiserem ou não puderem pagar esses “spreads”, que se danem, pois o banco não precisa emprestar a eles para lucrar.



Nas palavras de outro economista, André Modenesi, do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), entrevistado por Luiz Sérgio Guimarães, em sua coluna da última terça-feira no jornal “Valor Econômico”:
“’Não é por acaso que no país onde se pratica uma das maiores taxas básicas de juros do planeta também se verificam spreads bancários exorbitantes’, diz Modenesi. A razão é muito simples: as LFT (Letras Financeiras do Tesouro - títulos indexados à Selic) constituem um ativo especial ao possuir alta liquidez, elevada rentabilidade e risco desprezível. Com isso, diz o economista, os bancos brasileiros não precisam emprestar (….) para gerar resultado; basta comprar LFT. ‘É por isso que os bancos brasileiros são altamente rentáveis apesar de não realizarem a contento sua função primordial: produzir empréstimos’” (grifos nossos).
Victor José Hohl observa que “dificilmente” uma empresa e “muito menos pessoas físicas” conseguem, em seus negócios, um retorno superior (nós diríamos: nem semelhante) às taxas do BC para os títulos públicos. No entanto, os bancos obtêm esse retorno simplesmente comprando Letras Financeiras do Tesouro (LFT) indexadas à taxa Selic do Banco Central. Então, por que baixariam seus “spreads”, se não precisam emprestar a mais ninguém para obter elevadíssimos lucros?



André Modenesi diz que as altas taxas do BC têm outro efeito: “os bancos não precisam competir entre si na concessão de empréstimos para dar lucro”. De forma geral, os bancos privados têm tendência atávica ao monopólio, ou seja, a constituir um cartel. O que eles fazem (ou tentam fazer) é, precisamente, monopolizar o dinheiro da sociedade. Mas, realmente, as altas taxas de juros do Banco Central são um incentivo extra (e extremamente forte) ao monopólio – é suficiente para eles extorquir um só cliente, o Estado. Para lucrar, não precisariam, a rigor, emprestar dinheiro a nem um mais.


TÍTULOS



O que também impede que os bancos públicos possam baixar seus “spreads” até um nível qualitativamente diferente dos bancos privados. Se o fizessem, estariam permitindo que o cartel privado aumentasse seu peso no setor financeiro. A idéia de que, se baixassem substancialmente seus “spreads”, poderiam atrair para si os clientes atuais dos bancos privados, é absurda – até porque a captação de dinheiro pelo cartel bancário é maior do que as dos bancos públicos, que não podem atender todos os que necessitam de financiamento no país. São, portanto, fundamentalmente as taxas de juro do Banco Central que impedem que o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e outros bancos estatais baixem seus “spreads” e possam competir com os bancos privados para impedir o monopólio do dinheiro e do crédito. Pelo contrário, as taxas do BC fazem com que os bancos públicos tenham de se submeter ao monopólio dos bancos privados, concentrados em torno dos juros extraídos dos títulos públicos.


CARLOS LOPES

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