sábado, 8 de novembro de 2008

Eleição de Obama derrota ditadura dos monopólios
O presidente eleito definiu o caráter das transformações que os EUA necessitam como “ser responsável não somente por si, mas pelo próximo”
“Esta vitória, por si só, não é a mudança que buscamos. É apenas a chance de fazermos essa mudança”, disse o presidente eleito dos EUA, Barack Hussein Obama, na noite da última terça-feira, definindo o caráter das transformações que os EUA necessitam como “ser responsável não somente por si, mas pelo próximo”.
Com efeito, desde que Franklin Delano Roosevelt, em meio à depressão que se seguiu ao craque de 1929, não havia uma eleição como esta nos EUA.
Como ele mesmo disse, Obama é o eleito mais improvável da história do país: negro, com raízes africanas recentes, tendo passado parte da infância na Indonésia, onde freqüentou uma escola islâmica, apontado como o senador mais à esquerda do Congresso em 2007, adversário da agressão ao Iraque, com um programa de atendimento público nas áreas de educação e saúde, autor, entre outros, de um projeto que protegia a população contra os despejos e de outro coibindo fraudes nas eleições federais. Em suma, ninguém poderia ter um perfil mais oposto ao da casta que domina os EUA há décadas.
Por outro lado, a fraude havia desmoralizado as duas últimas eleições presidenciais dos EUA – em que, para entronizar um desqualificado, milhões de norte-americanos tiveram o voto cassado, milhares de urnas foram, simplesmente, assaltadas, e a Suprema Corte se mostrou, pública e desavergonhadamente, um valhacouto de chicaneiros fascistas.
Não por acaso, a principal figura do governo Bush foi o vice-presidente, Richard Cheney, ex-presidente da Halliburton e articulador do que há de mais aventureiro, mais arrivista e mais vigarista no ramo dos monopólios e cartéis norte-americanos. Alguém, falando do nazismo, notou que o imperialismo, em decadência e sem ninguém que possa ocupar diretamente o governo, acaba recorrendo à marginalidade, ao lumpen, para manter-se no poder. Pelo jeito, ele não recorre apenas aos marginais do tipo de Hitler, mas também à marginalidade monopolista.
MAGNATAS
Jamais a tão falsa quanto propalada “democracia americana” apareceu, diante de cada norte-americano e cada cidadão do mundo, como o que ela, há muito, é: uma ditadura de meia dúzia de magnatas, de monopolistas, dispostos a tudo, ou quase tudo, para prevalecer contra a esmagadora maioria da população – isto é, contra o povo. Os dois mandatos de Bush Jr., com a instalação de um Estado policial, com a instituição da tortura como “método” de investigação de dissidentes, com a suspensão das garantias constitucionais pelos atos impatrióticos, com a escuta e espionagem de lares, bibliotecas, universidades e locais de trabalho, esclareceram quem ainda mantinha dúvidas sobre qual é – ou qual era - o regime vigente nos EUA.
Sobre a devastação – econômica, política, moral, ideológica e militar – em meio da qual vai assumir a presidência, Obama declarou que é um “ótimo momento para ser presidente, pois os EUA, que são normalmente um país conservador, têm agora certeza de que é preciso mudar”. E, realmente, sua trajetória, sempre fiel a alguns princípios, faz com que seja possível ter esperanças.
Desde o fim da Guerra Civil (1865) e o assassinato de Lincoln, a história dos EUA é a história da ditadura dos monopólios financeiros e da luta contra ela. O próprio Lincoln, em seu discurso mais notável, havia advertido sobre o perigo que rondava os EUA, ao conclamar “a nós os vivos” para completar a “obra inacabada (….), que esta Nação com a graça de Deus venha gerar uma nova Liberdade, e que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desaparecerá da face da terra”.
Apenas cinco anos depois da morte de Lincoln, começou uma nova escravidão. Mais sete anos e os direitos dos negros foram, na prática, anulados. Duas décadas após, a Suprema Corte tornou “legal” a segregação racial, suspendendo a 14ª e a 15ª emendas à Constituição dos EUA – a primeira estendia os direitos constitucionais aos ex-escravos, a segunda proibia que um cidadão fosse impedido de votar por questões raciais. Em 1906, o Zoológico do Bronx, Nova Iorque, expôs um africano numa jaula, juntamente com um orangotango.
Ao mesmo tempo, uma feroz perseguição foi desencadeada contra os trabalhadores, negros e brancos – de que são exemplos os assassinatos oficiais dos líderes do 1º de maio de 1886, em Chicago, e a execução de Sacco e Vanzetti, em 1927.
Porém, em meio à crise que dividiu o partido republicano em 1912, o democrata Woodrow Wilson, com uma plataforma anti-monopolista, anti-racista e favorável às revindicações dos trabalhadores, venceu as eleições, e foi reeleito em 1916 - mas não conseguiu concorrer a um terceiro mandato, em meio a uma feroz campanha de infâmias. Wilson realizou parcialmente a sua plataforma, estabelecendo leis e controles anti-monopolistas – e recuou, entre outras coisas, em relação aos direitos dos negros.
Os 12 anos seguintes – 1921 a 1933 – constituem o período mais medíocre, mais ditatorial e mais reacionário da história dos EUA, até a chegada de Reagan e dos Bush. São anos, até 1929, de especulação desenfreada, de desinibida vigarice da banca, de roubo do Estado, de fortunas feitas do dia para a noite no cassino da Bolsa, às custas de excluir a maioria da população, de reprimir a tiros os trabalhadores, em que até os veteranos do exército, com suas famílias, são massacrados em Washington, quando revindicavam o pagamento, atrasado havia oito anos, de seus bônus de guerra.
Mas a crise de 1929, gestada e parida por esse bacanal financeiro, abriu uma brecha no poder dos monopólios. O desemprego campeia, os centros das cidades (incluído o Central Park, de Nova Iorque) transformam-se em favelas, milhões de pessoas andam sem rumo e sem comida nas ruas e nos campos.
No meio desse furacão, Roosevelt foi eleito – e, depois, sucessivamente reeleito, cumprindo três mandatos, sendo eleito para outro, mas falecendo antes de tomar posse. Foi o período mais democrático e progressista da história dos EUA, em que a crise foi conjurada pela limitação à ação dos cartéis e monopólios e pelos programas públicos de obras, de financiamento direto aos produtores, e atendimento à população. Foi também o período em que os EUA melhor conviveram com outras nações e outros povos – inclusive, estabeleceram a aliança com a URSS na luta contra o nazi-fascismo.
ROOSEVELT
Após a morte de Roosevelt, já no governo de seu vice-presidente, Harry Truman, a reação outra vez tenta voltar ao poder. Truman recua em várias frentes; em outras, não consegue sustentar o programa de seu antecessor. Mas, contra todos os prognósticos da mídia, ainda consegue impedir que os republicanos voltem ao governo em 1948, tal a força do período Roosevelt na população norte-americana.
No entanto, o fascismo – com sua tropa de choque, o macartismo – avança sobre o país, as perseguições a democratas, as provocações contra a URSS, o anti-comunismo mais alucinado e delirante. O medo, quase pânico, de que surja um novo Roosevelt, faz com que a reação aprove a limitação da reeleição a presidente, agora restrita a um único outro mandato. Os sindicatos são manietados e os movimentos dos trabalhadores praticamente proibidos pelo Taft–Hartley Act, apesar do veto, derrubado no Congresso, de Truman. Os processos, prisões e condenações – inclusive à morte - por alegada “espionagem” ou alegada “traição” são desencadeados contra as forças mais progressistas da sociedade norte-americana.
Em 1954, outra vez os monopólios, com Eisenhower, instalam-se diretamente no poder. A chantagem nuclear e as operações encobertas da CIA tornam-se os principais aspectos da política externa do país. Internamente, os EUA – e sobretudo o governo dos EUA – são dominados pelo que o próprio Eisenhower, ao se despedir da presidência, chamou de “complexo industrial-militar”.
KENNEDY
No entanto, a crise do final dos anos 50 faz com que, nas eleições de 1960, um democrata, John Kennedy, seja eleito. Durante dois anos, Kennedy lutará contra uma reação extremada a suas medidas. Todos os projetos que Kennedy envia ao Congresso são rejeitados. Por fim, antes que possa ser reeleito, com a perspectiva de uma mudança na correlação de forças no Congresso que realmente ocorreu, Kennedy é assassinado em novembro de 1963.
Os anos seguintes são de disputa intensa. O vice de Kennedy, Lyndon Johnson, afunda o país na agressão ao Vietnã, enquanto internamente, em meio a gigantescas manifestações populares, faz aprovar a Lei dos Direitos Civis, acabando com a discriminação política aos negros – e em 1964 vence o republicano Barry Goldwater, que sintetizou o seu programa de governo em “jogar uma bomba atômica no banheiro do Kremlin”.
Porém, prosseguem os assassinatos de líderes populares: Malcom X é assassinado em 1965. Martin Luther King, em 1968. Em meio à impopularidade da Guerra do Vietnã, os republicanos retornaram ao poder com Nixon, mas isso somente aconteceu após o assassinato do candidato favorito às eleições de 1968, Robert Kennedy. Porém, Nixon, após uma reeleição estrondosa, é obrigado a renunciar para escapar do impeachment, no rastro do escândalo da espionagem sobre a sede do Partido Democrata, no edifício Watergate, em Washington.
REAÇÃO
Com Carter, os democratas chegam ao governo, mas, em 1980, após a eleição de Reagan, a reação estabelece outra vez seu domínio direto sobre o Estado. Reagan e os dois Bush – não por acaso o intervalo dos dois mandatos de Clinton foi de uma turbulência que por pouco não acaba na deposição do presidente – dispensam apresentações. Um historiador norte-americano descreveu esse período como “o mais reacionário da história dos EUA”.
É este período que a eleição de Obama encerra. Não por acaso, em meio à mais profunda crise da história do país – a mais profunda crise dos monopólios, especuladores e parasitas que infestaram os EUA e o mundo a partir de 1980. Uma crise tão violenta que abriu o caminho para um negro, de pai africano e criado na Indonésia pudesse ser presidente dos EUA, vencendo todas as restrições ao voto, todas as fraudes, todo o cortejo anti-democrático que acompanha, há muito, as eleições norte-americanas.
CARLOS LOPES

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