sexta-feira, 28 de novembro de 2008

“Nosso lixo pelo seu dinheiro”
O artigo de Michael Hudson, publicado na revista Counterpunch, do qual transcrevemos os principais trechos, mostra, com minúcia de detalhes, como os banqueiros dos EUA extorquem o Congresso e o G-20 “aplicando a lógica de ‘privatizar os lucros, socializar as perdas’, que os lobistas dos bancos aperfeiçoaram ao longo do século passado”. Segundo Hudson, o secretário do Tesouro Henry Paulson “decidiu que o melhor meio de ‘estabilizar a economia’ é permutar títulos do Tesouro por lixo de alto risco, comprado pelo valor de face, livrando os bancos da perda”
A fartura de dólares foi um dos fatores-chave que agravaram o problema das hipotecas-lixo nos anos recentes. Se os países estrangeiros não investirem mais os seus influxos de dólares na Fannie Mae, no Freddie Mac e nos pacotes tóxicos de derivativos de hipotecas, o que eles vão fazer com esses dólares? O governo dos EUA recusa-se a deixar que fundos de governos estrangeiros adquiram qualquer coisa exceto lixo financeiro, tal como as afundantes ações do Citibank compradas por sheiks árabes do petróleo.
O déficit de pagamentos dos EUA bombeia dólares para as economias de outros países. Os que recebem esses dólares passam-nos aos seus bancos centrais. Mas esses últimos impediram as suas respectivas moedas de subir em relação ao dólar (e, portanto, de perder mercados externos ao encarecer as exportações) através da compra de títulos do Tesouro dos EUA, de forma a sustentar a taxa de câmbio do dólar pela reciclagem dos dólares, enviando de volta aos Estados Unidos o suficiente para financiar a maior parte do nosso déficit orçamentário federal, e, na verdade, também grande parte dos empréstimos hipotecários da Fannie Mae.
O sr. Bush gostaria de moldar o sistema financeiro de modo que as economias estrangeiras continuassem a dar almoço grátis aos Estados Unidos. Autoridades dos EUA controlam o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, e utilizam essas instituições para impor políticas neoliberais de privatização aos países estrangeiros, destruindo, com isso, as economias pós-soviética, a Austrália e a Nova Zelândia a partir da década de 90, assim como destruíram as economias do Terceiro Mundo desde os anos 80.
O sr. Paulson e outras autoridades dos EUA estão há muito jurando aos ministros das finanças estrangeiros que os títulos da Fannie Mae e do Freddie Mac são tão bons quanto os títulos do Tesouro, se bem que rendendo juros mais elevados.
O Congresso caiu nesse jogo. Agora que o “bailout” parece um presente de último minuto para os que estavam por dentro do jogo, o Congresso realizou audiências para perguntar porque o Tesouro abandonou o seu plano de comprar “ativos doentes” (lixo hipotecário) que o sr. Paulson dizia que era o problema. Por que o Tesouro comprou US$ 250 bilhões de sucedâneos de “ações preferenciais” dos bancos, a preços muito acima daqueles que pagam investidores privados como Warren Buffett?
Desenhando um mundo faz-de-conta para justificar o almoço grátis de Wall Street, o sr. Paulson procurou desviar a questão com uma série de “ses”. Os US$ 250 bilhões do Tesouro em ações dos bancos poderiam ser utilizados para re-inflar a oferta de crédito se os bancos optassem por entrar novamente no mercado de títulos comerciais e fornecessem hipotecas em condições mais módicas. A fantasia consiste nos bancos restaurarem o “equilíbrio” através de conceder mais crédito, aumentando o endividamento de seus clientes, de modo a restaurar o mercado habitacional no seu nível anterior.
Os congressistas frisaram que os bancos não estavam emprestando mais dinheiro. As taxas de juros das hipotecas subiram, não caíram, apesar do Fed estar suprindo os bancos com crédito a apenas 0,25%. As exigências dos bancos para conceder crédito foram endurecidas para exigir que os compradores pusessem mais do seu próprio dinheiro. Os arrestos e despejos estão aumentando e os preços imobiliários continuam a afundar. Também afundando quase na vertical está a Média Industrial Dow Jones, indo abaixo da marca dos 8000, os mais baixos níveis em muitos anos. Nada funciona da forma que o sr. Paulson prometeu.
A palavra mais utilizada pelas autoridades do Tesouro nestes dias é “inesperado”. Na audiência do seu subcomitê, [o deputado] Dennis Kucinich perguntou ao auxiliar de Paulson, Neel Kashkari, se a falta de previsão realista do Tesouro era um erro inocente ou um caso de propaganda enganosa. O sr. Kashkari se defendeu recitando que as dádivas aos bancos eram o meio de fazer com que a economia “andasse” outra vez. Os bancos utilizariam o seu readquirido poder para ajudar os clientes a voltar a se endividar ainda mais profundamente, presumivelmente às taxas exponenciais necessárias para re-inflar os preços da propriedade e das ações.
O congressista republicano Darrill Issa perguntou simplesmente quando o Tesouro decidira descartar o texto da lei e prosseguir com uma dádiva alternativa à Wall Street, ao invés de ajudar proprietários de casas em inadimplência. Por que não havia feito como determinava a lei que o próprio sr. Paulson insistira que o Congresso aprovasse – arranjar ordenadamente cancelamentos de dívida através da utilização dos prometidos US$ 50 bilhões de dinheiro público para comprar hipotecas de lares em vias de despejo, e reajustar as hipotecas com preços altos, fora da realidade, para que elas refletissem os atuais níveis de preços das propriedades?
O sr. Kashkeri continuou tentando passar o tempo com uma explicação dos procedimentos de rotina do Tesouro. Ele assegurou que todas as noites se preocupava com o destino dos proprietários de casas, e disse que o sr. Paulson também estava roendo as unhas devido à sua empatia pelos despejados, mas que eles haviam achado muito melhor dar o dinheiro aos bancos na esperança de que eles mostrariam uma preocupação semelhante para com os seus clientes.
Aplicando a lógica de “privatizar os lucros, socializar as perdas”, que os lobistas dos bancos aperfeiçoaram ao longo do século passado, [Paulson] decidiu que o melhor meio de “estabilizar a economia” é permutar títulos do Tesouro por lixo de alto risco, comprado pelo valor de face, livrando os bancos da perda.
Pode-se concluir apenas que o sr. Paulson perpetrou uma fraude consciente quando disse ao Congresso que o governo descobrira um caminho melhor para a doação de dinheiro pingar dos bancos para o crédito, do que comprar os seus maus empréstimos. Ele, na verdade, está fazendo exatamente isto, mas em segredo, longe do olhar intrometido do Congresso, através do Fed [banco central norte-americano], a preço integral, ao invés de fazê-lo através do programa do Tesouro que o Congresso autorizou. O Fed avalia o lixo hipotecário pelos preços altos de fantasia que os bancos, a AIG e outras companhias o compraram, a fim de evitar-lhes o prejuízo. Os hedge funds e os especuladores que compraram lixo securitário da AIG foram considerados sadios, e os acionistas da AIG foram salvos pela injeção de capital do governo, de modo a que não tivessem prejuízos no cassino de Wall Street.
Agora que o Fed está fazendo isso, o Tesouro pode voltar-se para a sua própria forma de brinde aos bancos: comprar suas ações por um preço muito acima do mercado (isto é, o preço pago por investidores tais como Warren Buffett pelas ações do Goldman Sachs), permitindo aos bancos utilizarem o dinheiro para comprar outros bancos, distribuir dividendos a acionistas ou pagar altos salários aos seus executivos, ao invés de ajudar devedores hipotecários.
G-20
Ao falar na quinta-feira, 13 de Novembro, no Manhattan Institute, o presidente Bush repetiu o mito de que países estrangeiros reciclam demasiados dólares para a América por causa da nossa “economia forte” e dos nossos mercados livres.
A realidade é bastante diferente. Não existe uma tal coisa como “mercado livre”. Durante uns poucos dias após o anúncio da dádiva de US$ 700 bilhões, por reflexo automático, alguns adversários de gastos do governo denunciaram que era “socialismo”, mas rapidamente descobriram que nem todo gasto do governo é socialista. Independente do sistema econômico, todos os mercados são planejados, e sempre foram desde que os calendários foram inventados após a Era do Gelo.
A maior parte das estruturas de mercado ao longo da história foram organizadas de modo a proporcionar um almoço gratuito a determinados interesses. Isto permanece a essência do capitalismo pós-feudal – ou, como formularam alguns, do corporativismo.
O que acontece na prática é que os bancos centrais estrangeiros reciclam os dólares que os seus exportadores e vendedores de ativos recebem porque (como observado acima) a cotação das suas moedas frente ao dólar subiria se eles não o fizessem, pois isso poria o preço das suas exportações fora dos mercados mundiais, levando ao desemprego. Os países estrangeiros, portanto, estão na armadilha do dólar. Eles remetem as suas poupanças para financiar o déficit orçamentário do governo dos EUA, ao invés de ajudarem as suas próprias economias, porque não foram capazes de criar uma alternativa ao dólar. Logo depois da dívida do Tesouro, as hipotecas imobiliárias são a única categoria suficientemente grande para absorver o excesso de dólares jogado fora pelo déficit de pagamentos dos EUA – jogado fora com os gastos militares dos EUA no exterior, com os gastos em consumo que incham o déficit comercial e com fluxos de investimentos, quando investidores aqui e no exterior diversificam suas propriedades fora dos Estados Unidos. O resultado é que as reservas monetárias mundiais acabam por consistir de empréstimos de bancos centrais para financiar a bolha da economia dos EUA.
O que torna esta dinâmica instável é que as exportações dos EUA tornam-se cada vez menos competitivas quando os custos mais elevados com habitação e os encargos do serviço da dívida elevam o custo de vida e o custo de fazer negócios. Quanto mais dólares os países estrangeiros reciclam, menos a economia dos EUA será capaz de livrar-se das suas dívidas exportando mais. Assim, a dinâmica é com certeza um jogo perdedor para os governos estrangeiros – a menos que alguém possa explicar como os Estados Unidos poderiam gerar US$ 4 trilhões para reembolsar a sua dívida com os bancos centrais do mundo. Para tornar as coisas piores, a tendência declinante do dólar em relação ao euro e à libra esterlina obriga os credores estrangeiros a uma perda sobre os seus haveres em dólares quando seus valores são convertidos em suas próprias moedas.
Ninguém descobriu uma solução “orientada pelo mercado” para este problema. Agora que o ouro já não é mais o meio de ajustar déficits das balanças de pagamentos, falta aos bancos centrais estrangeiros uma alternativa ao dólar para manter as suas reservas monetárias. Isso faz com que eles fiquem com: (1) Títulos do Tesouro dos EUA; e (2) Títulos de hipotecas dos EUA. Nos últimos anos viu-se uma nova diversificação, via “fundos soberanos de riqueza”, na (3) propriedade direta de recursos minerais, companhias industriais, infraestrutura nacional privatizada e outras participações em investimentos, ao invés de dívida. Mas ainda que dando boas vindas a este último, o governo dos EUA procura limitar os bancos centrais estrangeiros a comprarem lixo hipotecário, lixo mobiliário e outros refugos financeiros.
A questão nas reuniões do G-20 é a desconfiança no sistema bancário não regulamentado dos EUA e, por trás disso, nos “reguladores” do governo que se recusam a regular. A China e outros receptores estrangeiros de dólares tratam o dólar como uma batata quente, tentando gastá-lo na compra de minerais estrangeiros, combustíveis e outros ativos de qualquer país que aceite pagamento em dólares. A maior parte dos tomadores [de dólares] são países do terceiro mundo ainda comprometidos com o pagamento de pesadas dívidas dolarizadas junto ao Banco Mundial e outros credores globais.
A Eurolandia está oficialmente numa recessão pela primeira vez desde o nascimento da moeda única, em parte porque os seus países-membros sentiram-se obrigados a utilizar os seus excedentes monetários para apoiar o dólar – e, portanto, o déficit orçamentário do Tesouro dos EUA – ao invés de apoiarem as suas próprias economias internas.
“ALMOÇO GRÁTIS”?
O Tesouro agora discute “bailouts” para os emissores de cartões de crédito, assumindo suas dívidas podres.
Os bancos e Wall Street ameaçam ruir a economia “entrando em greve” e criando um arrocho do crédito, forçando despejos e o colapso econômico, se o Congresso e o Fed não os livrarem do prejuízo sobre os seus maus empréstimos e derivativos financeiros. Os clientes devem absorver a perda.
A economia dos EUA tem vivido sobre uma combinação de reciclagem de dólar externo e crédito bancário que tem sido utilizada simplesmente para “criar riqueza” pela inflação de preços dos ativos, não pelo financiamento de nova formação de capital.
Por fazer isso, quando a coisa acabar, os bancos estarão insolventes. O Tesouro deu-lhes bilhões de dólares, e ainda mais como favoritismo fiscal especial, garantias de seguro de empréstimo e de depósito. Isso pode continuar só enquanto os bancos puderem fazer com que pareça impensável o colapso inevitável dos esquemas de juros compostos.
17/Novembro/2008
* Michael Hudson é economista e ex-consultor em Wall Street, hoje professor da Universidade do Missouri.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Não diga bobagem, Fernando Henrique
GILSON CARONI FILHO (*)
A psiquiatria define obsessão como idéias ou imagens que ocorrem repetidamente e parecem estar fora de controle. A compulsão surge, então, para aliviar a angústia que essas idéias e imagens provocam. As últimas críticas de Fernando Henrique Cardoso ao presidente Lula estão inseridas em recorrentes esforços de apagar e reescrever a triste história dos seus dois mandatos sucessivos.
Ao aproveitar um encontro com prefeitos eleitos pelo PSDB paulista para atacar o atual governo, FHC comporta-se como uma pessoa que apresenta duas ou mais personalidades, sendo que a função de uma delas é dissimular seu verdadeiro estado, escondendo-se do mundo exterior, de sua própria realidade. Curiosamente, parece viver somente agora o seu verdadeiro exílio. Aquele que o distancia do que foi - e ainda é - para aproximá-lo do que gostaria de ter sido. No imaginário se reconcilia com a imagem cultivada à sombra das ilusões uspianas e escapa da pequenez política que adquiriu.
Atribuindo a Lula um suposto alheamento da crise econômica, o ex-presidente tenta ser irônico ao chamar seu sucessor de “grande economista”. O tom jocoso presente em “veste a roupa, rei. Pare de falar bobagem”, resvala para o patético quando afirma que “aqui não é marola, não. Vai perguntar pra quem está perdendo o emprego hoje, que é mineiro da Vale, se é marola. Não é marola. Marola é quando você não é afetado. Está afetando.”
Provavelmente estamos diante de um lapso. O “conselheiro” do presidente parece ter apagado da memória que, em seu governo, o país se superou em matéria de malversação do dinheiro público, socialização de prejuízos e entrega do patrimônio nacional. Que foram oito anos de securitização de dívidas de latifundiários inadimplentes (o “agrobusiness”) com o Banco do Brasil. Oito anos de crescimento mínimo e endividamento externo máximo.
Esquece também que, como em nenhuma outra, sua gestão promoveu a dependência do país ao capital especulativo, sucateou a Previdência, jogou o país na recessão, e submeteu o destino da nação aos ditames do FMI para conseguir empréstimos de socorro. A nudez presidencial nunca foi tão escandalosa como no período compreendido entre 1994 e 2002.
O tucanato no poder, e é bom que nunca esqueçamos disso, fez das teses monetaristas uma religião. Seu legado foi uma inflação camuflada, desequilíbrios imensos tanto no plano interno quanto no externo. A desnacionalização de partes substantivas da produção e serviços nacionais foi a tônica de uma época que insiste em se apresentar como a “era da estabilidade”.
Aumento do desemprego, congelamento - ou irrisórios reajustes salariais dos servidores públicos - e uma escalada sem precedentes da violência urbana foram algumas das obras marcantes de FHC. Esse mesmo que, em tom professoral, pretende ensinar ao presidente como se comportar em uma crise.
Segundo o economista M. Pochmann, comparando-se os dados do Censo Demográfico de 2000 com os de 1994, encontrava-se um adicional fantástico de sete milhões de novos desempregados gerados durante sete anos. Quantos destes foram ouvidos pelo presidente tucano? Perto da política arrasada do neoliberalismo, o que temos hoje ainda é marola, sim.
Talvez fosse conveniente o ex-presidente ler publicações antigas. Na IstoÉ, de 20 de junho de 2002, o industrial Eugênio Staub, da Gradiente afirmava: “Estamos no sétimo ano de um governo que, em 2002, entregará um país em piores condições do que recebeu. O responsável pela situação atual não é o pobre, nem o americano, nem o militar, somos nós, a elite brasileira”. Segundo Staub, a única saída era “a eleição de um líder que fosse capaz de mobilizar a força transformadora”. Em suma, alguém capaz de consertar os estragos deixados pelo “grande sociólogo”. O ex-presidente que, ao deitar falação, reaviva a memória de quais foram as vestes usadas em seu reinado.
Falta um amigo que, em ocasiões como essa, lhe sussurre discretamente: “Não diga bobagem, Fernando Henrique, você continua nu”.
Professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

O parto da montanha

FIDEL CASTRO RUZ


BUSH se mostrava feliz com Lula a sua direita, no jantar da sexta-feira. À esquerda, colocou Hu Jintao, a quem respeita pelo enorme mercado de seu país, pela capacidade de produzir bens de consumo a baixo preço e pelo caudal de suas reservas em dólares e bônus dos Estados Unidos.Medvedev, a quem ataca com a ameaça de colocar os radares e os mísseis estratégicos nucleares próximos de Moscou, foi colocado num assento distante do anfitrião da Casa Branca.O rei da Arábia Saudita, um país que produzirá num futuro próximo 15 milhões de toneladas de petróleo leve a preços altamente competitivos, ficou também a sua esquerda, junto de Hu.Seu aliado mais fiel na Europa, Gordon Brown, primeiro-ministro do Reino Unido, não aparecia perto dele na mídia.Nicolas Sarkozy, descontente com a ordem financeira atual, ficou distante dele, com o semblante descontente.O presidente do governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, vítima do ressentimento pessoal de Bush, presente no encontro de Washington, nem sequer o vi nas imagens televisivas do jantar.Assim, foram colocados os participantes no banquete.Qualquer um teria pensado que no dia seguinte se produziria o debate de fundo sobre o complicado tema.Cedo, na manhã do sábado, as agências informavam sobre o programa que teria lugar no National Building Museum de Washington. Cada segundo estava programado. Seriam analisadas a crise atual e as medidas a serem tomadas. Começaria às 11h30, hora local. Primeiro, sessão fotográfica: "fotos de família", como as chamou Bush; vinte minutos depois, a primeira plenária, seguida de uma segunda, na metade do dia. Tudo rigorosamente programado, até os nobres serviços sanitários.Os discursos e análises durariam aproximadamente três horas e 30 minutos. Às15h25 (hora local), o almoço. A seguir, às 17h5, declaração final. Uma hora depois, às 18h5, Bush iria descansar, jantar e dormir placidamente em Camp David.O dia decorria, para os que acompanhavam o evento, com a impaciência para saber como em tão pouco tempo, seriam abordados os problemas do planeta e da espécie humana. Estava anunciada uma declaração final.O fato real é que a declaração final da Cúpula foi elaborada por assessores econômicos pré-selecionados, bastante afins ao pensamento neoliberal, enquanto Bush em seus pronunciamentos pré e pós-Cúpula exigia mais poder e mais dinheiro para o Fundo Monetário Internacional, para o Banco Mundial e para outras instituições mundiais que estão sob o rigoroso controle dos Estados Unidos e de seus aliados mais próximos. Esse país tinha decidido injetar US$700 bilhões para salvar seus bancos e suas empresas transnacionais. A Europa oferecia uma cifra igual ou maior. O Japão, seu mais firme alicerce na Ásia, prometera uma contribuição de US$100 bilhões . Esperam da República Popular da China, que desenvolve crescentes e convenientes vínculos comerciais com os países da América Latina, outra contribuição de US$100 bilhões procedentes de suas reservas.De onde sairão tantos dólares, euros e libras esterlinas a não ser endividando seriamente as novas gerações? Como se pode construir o edifício da economia mundial sobre notas de papel, que é o que realmente se está colocando em circulação, quando o país que os emite está sofrendo um enorme déficit fiscal? Valeria a pena tanta viagem aérea rumo a um ponto do planeta chamado Washington para se reunir com um presidente a quem lhe restam apenas 60 dias de governo, e assinar um documento que já estava formulado de antemão para ser aprovado no Washington Museum? Teria razão a comunicação radiofônica, televisiva e escrita dos Estados Unidos ao não dar destaque especial a esse velho jogo imperialista desta enfadada reunião?O inacreditável é a própria declaração final, aprovada por consenso dos participantes do evento. É óbvio que constitui uma aceitação plena das exigências de Bush, antes e durante a Cúpula. A vários países participantes não restava outra alternativa que aprová-la; em sua luta desesperada pelo desenvolvimento, não desejavam ficar isolados dos mais ricos e poderosos, bem como de suas instituições financeiras, que constituem a maioria no seio do Grupo G-20.Bush falou com verdadeira euforia, usando palavras demagógicas, leu frases que retratam a declaração final: "A primeira decisão que tive que adotar", disse, "foi indicar quem viria à reunião". "Decidi que deveriam estar presentes as nações do Grupo dos 20, em lugar de apenas o Grupo dos Oito ou o Grupo dos Treze"."Mas, uma vez adotada a decisão de ter o Grupo dos 20, a pergunta fundamental é com quantas nações de seis continentes, que representam diferentes etapas de desenvolvimento econômico, será possível chegar a acordos que sejam substanciais, e me compraz informar-lhes que a resposta a essa pergunta é que o conseguimos"."Os Estados Unidos tomaram algumas medidas extraordinárias. Os senhores que acompanharam minha carreira, sabem; eu sou um partidário do livre mercado, e se a gente não toma medidas decisivas, é possível que nosso país se afunde numa depressão mais terrível que a Grande Depressão"."Começamos a trabalhar recentemente com o fundo de US$700 bilhões que está começando a liberar dinheiro para os bancos"."Portanto, todos entendemos a necessidade de promover políticas econômicas a favor do crescimento"."A transparência é muito importante para que os investidores e os reguladores possam saber exatamente o que está acontecendo".O texto do resto do que disse Bush é do mesmo estilo.A declaração final da Cúpula, que, por sua extensão, precisa de meia hora para ser lida em público, define-se num grupo de parágrafos selecionados:"Nós, líderes do Grupo dos 20, celebramos uma reunião inicial em Washington no dia 15 de novembro entre sérios desafios para a economia e para os mercados financeiros mundiais…""…devemos colocar as bases para uma reforma que nos ajude a assegurar-nos que uma crise global como esta não volte a acontecer. Nosso trabalho deve estar norteado pelos princípios do mercado, pelo regime de livre comércio e investimento…""…os atores do mercado procuraram rentabilidades mais altas sem uma avaliação adequada dos riscos, e fracassaram…""As autoridades, reguladores e supervisores de alguns países desenvolvidos não constataram nem deduziram adequadamente os riscos que se geravam nos mercados financeiros…""…as políticas macroeconômicas insuficientes e suas coordenadas inconsistentes, e as inadequadas reformas estruturais, conduziram a um insustentável resultado macroeconômico global"."Muitas economias emergentes, que ajudaram a sustentar a economia mundial, sofrem cada vez mais o impacto do obstáculo mundial"."Sublinhamos o importante papel do FMI na resposta à crise, saudamos o novo mecanismo de liqüidez a curto prazo e urgimos para a contínua revisão de seus instrumentos para garantir a flexibilidade"."Encorajaremos o Banco Mundial e outros bancos multilaterais de desenvolvimento para usarem sua plena capacidade em apoio de sua agenda de ajuda…""Garantiremos que o FMI, o Banco Mundial e os outros bancos multilaterais de desenvolvimento tenham os recursos suficientes para continuar desempenhando seu papel na resolução da crise"."Exercitaremos uma forte vigilância sobre as agências de crédito, com o desenvolvimento de um código de conduta internacional"."Comprometemo-nos a proteger a integridade dos mercados financeiros do mundo, reforçando a proteção do investidor e do consumidor"."Estamos comprometidos a avançar na reforma das instituições de Bretton Woods, de maneira a que possam refletir as mudanças na economia mundial para incrementar sua legitimidade e efetividade"."Reunir-nos-emos de novo no dia 30 de abril de 2009 para rever a entrada em funcionamento dos princípios e decisões tomadas hoje"."Admitimos que estas reformas só terão sucesso se estiverem baseadas no compromisso com os princípios do livre mercado, incluindo o império da lei, respeito à propriedade privada, investimento e comércio livre, mercados competitivos e eficientes e sistemas financeiros regulados efetivamente"."Abster-nos-emos de colocar barreiras ao investimento e ao comércio de bens e serviços"."Estamos cientes do impacto da atual crise nos países em desenvolvimento, de modo especial, nos mais vulneráveis"."Enquanto avançamos, temos certeza de que mediante a colaboração, a cooperação e o multilateralismo superaremos os desafios que temos diante de nós e conseguiremos restabelecer a estabilidade e a prosperidade na economia mundial".Linguagem tecnocrática, inacessível para as massas.Cortesia ao império, que não recebe crítica alguma a seus métodos abusivos.Louvores ao FMI, ao Banco Mundial e às organizações multilaterais de créditos, criadores de dívidas, despesas burocráticas fabulosas e investimentos encaminhados ao fornecimento de matérias-primas às grandes transnacionais, que, além disso, são responsáveis pela crise.E assim por diante, até o último parágrafo. É aborrecida, repleta de lugares comuns. Não disse absolutamente nada. Foi subscrita por Bush, campeão do neoliberalismo, responsável por chacinas e guerras genocidas, que investiu em suas aventuras sangrentas todo o dinheiro que teria sido suficiente para mudar a face econômica do mundo.No documento não se diz uma só palavra do absurdo da política de converter os alimentos em combustível que propugnam os Estados Unidos, do intercâmbio desigual de que somos vítimas, nós, os povos do Terceiro Mundo, nem sobre a estéril corrida armamentista, produção e comércio de armas, ruptura do equilíbrio ecológico, e as gravíssimas ameaças à paz que colocam o mundo à beira do extermínio.Só uma pequena frase perdida no longo documento menciona a necessidade de "encarar a mudança climática", quatro palavras.Pela declaração se verá como os países presentes no conclave demandam reunir-se de novo em abril de 2009, no Reino Unido, no Japão ou em qualquer outro país que possua os requisitos adequados, ninguém sabe qual, para analisar a situação das finanças mundiais, com o sonho de que as crises cíclicas nunca voltem a se repetir com suas dramáticas conseqüências.Agora caberá aos teóricos de esquerda e de direita opinarem fria ou acaloradamente sobre o documento.Do meu ponto de vista, não foram tocados nem com a pétala de uma flor os privilégios do império. Quem tiver a paciência necessária para lê-lo do princípio ao fim, poderá constatar como se trata simplesmente de um apelo piedoso à ética do país mais poderoso do planeta, tecnológica e militarmente, na época da globalização da economia, como quem roga ao lobo que não devore o Chapeuzinho Vermelho.
"A Grande Depressão do século 21"




Não é possível qualquer reforma sob o Consenso Washington-Wall Street", afirma o economista Chossudovsky em seu artigo A Grande Depressão do século 21 : Colapso da Economia Global, do qual publicamos trechosEsta crise é muito mais séria do que a Grande Depressão. Todos os setores importantes da economia são afetados.O proposto salvamento bancário sob o chamado Troubled Asset Relief Program (TARP) não é uma "solução" para a crise e sim a "causa" de mais um colapso. O salvamento contribui para um novo processo de desestabilização da arquitetura financeira. Ele transfere grandes quantias de dinheiro público, às expensas dos contribuintes, para as mãos de financeiras privadas. Isto leva a uma espiral de dívida pública e a uma centralização do poder bancário sem precedentes. Além disso, o dinheiro do salvamento é utilizado pelos gigantes financeiros para obter aquisições corporativas tanto no sector financeiro como na economia real. Esta concentração sem precedentes de poder financeiro conduz setores inteiros da indústria e dos serviços, um por um, à bancarrota, o que leva à demissão de milhares de trabalhadores. A riqueza de papel é transformada em propriedade e controle de ativos produtivos reais, incluindo indústria, serviços, recursos naturais, infraes-trutura, etc. A economia real está em crise. O consequente aumento do desemprego causa um declínio dramático nos gastos do consumidor o que por sua vez faz retroceder os níveis de produção de bens e serviços. As empresas não podem vender os seus produtos, porque os trabalhadores foram despedidos. Os consumidores, nomeadamente os trabalhadores, foram privados do poder de compra necessário para alimentar o crescimento econômico.Os estoques de bens não vendidos, acumulam-se. Finalmente, a produção entra em colapso.No processo de fechamento da fábrica, muitos trabalhadores tornam-se desempregados. Milhares de firmas em bancarrota são expulsas do cenário econômico, o que leva a um afundamento da produção. POBREZA A pobreza em massa e um declínio em escala mundial nos padrões de vida é o resultado de baixos salários e desemprego em massa. Isto é o resultado de uma anterior economia global de trabalho barato, em grande parte caracterizada pelos baixos salários das fábricas montadoras nos países do Terceiro Mundo. Nos EUA, Canadá e Europa Ocidental, todo o sector industrial está potencialmente ameaçado. Estamos tratando de um processo de reestruturação econômica e financeira a longo prazo.Um após o outro, o boom de fusões e aquisições da década de 1990 levou à consolidação simultânea de grandes entidades corporativas tanto na economia real como na banca e nos serviços financeiros. Nos desenvolvimentos recentes, entretanto, a concentração de poder da banca foi às expensas dos negócios em grande escala (big business). O que distingue esta fase particular da crise é a capacidade dos gigantes financeiros (através do seu controle decisivo sobre o crédito) não só de causar destruição na produção de bens e serviços como também de minar e destruir grandes entidades corporativas da economia real. A Circuit City Stores Inc. pediu a proteção da concordata (Chapter 11). As ações da Best Buy, a cadeia de eletrônicos a varejo, despencaram. Em escala mundial, mais de duas dúzias de companhias de aviação vieram abaixo em 2008, somando-se a uma cadeia de bancarrotas de companhias de aviação no decorrer dos últimos cinco anos.Nos últimos dois meses tem havido numerosos encerramentos de fábricas por toda a América, levando ao desemprego permanente dezenas de milhares de trabalhadores. Estes fechamentos afetaram várias áreas chave da atividade econômica, incluindo as indústrias química e farmacêutica, a indústria do automóvel e setores relacionados, à economia de serviços, etc. O emprego caiu em 1,2 milhão nos primeiros 10 meses de 2008; mais da metade da diminuição verificou-se nos últimos três meses.Os números oficiais não descrevem a seriedade da crise e o seu impacto devastador sobre o mercado de trabalho, uma vez que muitas das perdas de emprego não são relatadas. Entre as companhias à beira da bancarrota há algumas altamente lucrativas. A pergunta importante: quem assume a propriedade das corporações industriais gigantes em bancarrota? Bancarrotas e arrestos são operações de circulação de dinheiro. Com o colapso dos valores nos mercados de ações, as companhias ali listadas experimentam uma grande queda no preço da sua ação, o que imediatamente afeta a sua credibilidade e a sua capacidade para tomar emprestado e/ou renegociar dívidas (as quais estão baseadas no valor cotado dos seus ativos). Os especuladores insti-tucionais, os hedge funds, etc, aproveitam-se deste saqueio inesperado. Eles disparam o colapso de companhias listadas em bolsa através da venda à descoberto (short selling) e outras operações espe-culativas. Podem assim embolsar os seus ganhos especulativos em grande escala. Segundo um relato no Financial Times, há prova de que o afundamento da indústria automobilística dos EUA foi em parte o resultado de manipulação. "As ações da General Motors e da Ford perderam 31% e 10,9% [em dois dias] apesar da esperança de que Washington pudesse salvar a indústria à beira do colapso. A queda verificou-se depois de o Deutsche Bank estabelecer um objetivo de preço zero para a GM"( FT, 14/Novembro/2008, ênfase acrescentada). As financeiras estão num passeio de compras. Os 400 multimilionários Forbes da América estão à espera, na expectativa. Depois de terem consolidado a sua posição na indústria bancária, os gigantes financeiros incluindo a JP Morgan Chase, Bank of America e outros utilizarão os seus ganhos inesperados e o dinheiro do salvamento proporcionado pelo TARP para uma extensão ulterior do seu controle sobre a economia real. O passo seguinte consiste em transformar ativos líquidos, nomeadamente riqueza monetária em papel, com a aquisição de ativos da economia real. Nesse aspecto, a Berkshire Hathaway Inc., de Warren Buffett, é um grande acionista da General Motors. Mais recentemente, após o colapso do valor das ações em outubro e novembro, Buffett aumentou a sua participação no produtor de petróleo Conoco-Phillips, sem mencionar a Eaton Corp., cujo preço na Bolsa de Valores de Nova York afundou 62% em relação à cotação de dezembro de 2008 (Bloomberg). O alvo destas aquisições são as numerosas companhias industriais e de serviços altamente produtivas, as quais estão à beira da bancarrota e/ou cujas ações entraram em colapso. Os administradores de dinheiro estão escolhendo as peças. A riqueza de papel acumulada através do comércio de iniciados e da manipulação do mercado de a-ções é utilizada para adquirir o controle sobre ativos econômicos reais, deslocando estruturas de propriedade pré-existentes. O que estamos tratando é de um repugnante relacionamento entre a economia real e o setor financeiro. Os conglomerados financeiros não produzem mercadorias. Eles no essencial fazem dinheiro através da condução de transações financeiras. Utilizam o dinheiro destas transações para tomar o comando sobre corporações da economia real. DISTORÇÃO Numa amarga distor-ção, os novos possuidores da indústria são os especuladores instituci-onais e os manipuladores financeiros. Eles estão se tornando os novos capitães da indústria, deslocando não só estruturas de propriedade já existentes como também instalando seus comparsas nas poltronas da administração corporativa. Não é possível qualquer reforma sob o Consenso Washington-Wall Street A Cúpula Financeira do G-20 de 15 de novembro, em Washington, apóia o consenso Washington-Wall Street. Apesar de formalmente apresentar um projeto para restaurar a estabilidade financeira, na prática a hegemonia da Wall Street permanece incólume. Um sistema monetário unipo-lar dominado pelos Estados Unidos. Aos arquitetos do desastre financeiro, sob a lei de 1999, Gramm-Leach-Bliley (Financial Services Moder-nization Act, FSMA), foi confiada a tarefa de mitigar a crise — a qual foi criada por eles próprios. Eles são a causa do colapso financeiro. A Cúpula Financeira do G-20 não questiona a legitimidade dos hedge funds [fundos especulativos que até o crash que através de uma série de manobras estavam supostamente "protegidos" do risco da especulação] e dos vários instrumentos de comércio derivativo. O comunicado final inclui um impreciso e opaco compromisso "para melhor regular os hedge funds e criar mais transparência em títulos relacionados com hipotecas como uma proposta para travar o deslizamento econômico global". Uma solução para esta crise só pode ser alcançada através de um processo de "desarmamento financeiro", o que exigiria o congelamento dos instrumentos de comércio especulativo e o desmantelamento dos hedge funds
Michel Chossudovsky Economista Canadense, colabora com o Le Monde Diplomatique e já atuou como consultor da OIT e do Programa de Desenvolvimento da ONU
O caso “Gilmar Dantas”
O lapso de um jornalismo relapso
GILSON CARONI FILHO (*)
Este artigo foi originalmente escrito para o Observatório da Imprensa. Publicá-lo, com versão ampliada em Carta Maior, é uma forma de aumentar os espaços de discussão para os que ainda acreditam que um outro jornalismo é possível. Aqueles profissionais que recusam, na medida do impossível, qualquer prática jornalística que solicite desvios éticos, distorcendo a realidade e caluniando quem considera adversário político. Uma aposta difícil, mas irrecusável.
Quando a imprensa abre mão de ser uma instância de afirmação republicana – e é preocupante a freqüência com que isso vem ocorrendo diariamente – não comete apenas um grande desvio: deixa mesmo de ser imprensa para se tornar departamento de negócios diversos.
É sempre bom recordar o que disse Washington Novaes: “jornalismo não é profissão a ser exercida em nome próprio”, mas por delegação da sociedade, a quem legitimamente pertence a informação. Em tempos de enganos nem sempre involuntários, um legítimo, de safra recente, deve ser examinado com humor e atenção. Apresenta-se como subtexto absurdo de intenções inconfessas.
O texto postado por Ricardo Noblat, sexta-feira, 14 de novembro, em seu blog supostamente jornalístico, nada mais é do que um ato falho, um desejo do inconsciente realizado através de um equívoco. É bom lembrar que para Freud, esses desvios eram sintomas de um compromisso entre o intuito consciente da pessoa e o reprimido. Se tivesse acesso ao que escrevem alguns jornalistas da grande imprensa nativa, vários conceitos psicanalíticos seriam revistos à luz da razão cínica que predomina nas redações.
Em poucas linhas, Noblat afirma que “o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Felix, já identificou o araponga da Agência Brasileira de Inteligência que grampeou a conversa travada por telefone entre o ministro Gilmar Dantas, presidente do Supremo Tribunal Federal, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Trata-se do mesmo araponga que entregou à revista VEJA a transcriação da conversa”.
Ao misturar o prenome do ministro com o sobrenome do banqueiro, o jornalista deu forma ao que os dicionários definem como simbiose: “associação entre dois seres vivos que vivem em comum”. Um espécime que só existe no plano ideal da politização do Judiciário e da mídia partidarizada.
Importante destacar que, no mesmo dia, o jornalista postou um comentário com título sugestivo:” Uma nova vaia faria bem a Lula”, sugerindo hora e local: “Seria bom para o excesso de auto-estima de Lula que ele fosse vaiado durante o jogo da próxima quarta-feira em Brasília entre a Seleção Brasileira e a Seleção de Portugal. A vaia que ele tomou no Maracanã na abertura dos Jogos Pan-Americanos já faz mais de um ano”.
É bom observar as angústias dos impolutos Catões da mídia e compreender as angústias que os afligem. Afinal, a crise econômica ainda não chegou com a intensidade por eles desejada. E o noticiário já dá mostras de qual será sua tônica nos próximos meses: a desconstrução simbólica de Lula, se possível com “argumentos” para torná-lo inelegível a partir de 2010. Relatos tão fidedignos quanto a “transcriação” de fatos e fitas. Insondáveis são os motivos que levam ao surgimento de neologismos tão expressivos.
Repito o que escrevi em artigo escrito recentemente publicado. O que permite tamanha desenvoltura na desfaçatez é a conjunção dos bem-intencionados que nada percebem com a esperteza dos bem selecionados peixinhos do “aquário”.
É interessante a cadeia alimentar do campo jornalístico. Da labuta dos peixes de mercado, os ornados e pomposos extraem os nutrientes para os interesses dos peixões associados em empreendimentos políticos e econômicos. Qualquer advertência crítica à perfeição desse “ecossistema” soará como grito paranóico. Mas a leitura atenta não pode ceder aos reclamos do senso comum das redações.
Afinal, é lá que está sendo concebido o bloco de poder sonhado pela direita nativa: aquele tem no comando o “Gilmar Dantas” do blogueiro. É dura a disputa para saber quem ficaria como porta-voz da presidência. Mas pelas afinidades político-estilísticas, qualquer escolha será aplaudida pela “bancada dos analistas confiáveis”. Distintos senhores e distintas senhoras, espalhados nos mais diversos veículos, fazem desse sonho profissão de fé.
P.S: Quando esse artigo estava pronto, Ricardo Noblat, alertado por seus leitores, revisou o texto. Ou seria melhor falarmos em retificação de ato falho? Mas, como seguro morreu de velho, já havíamos feito um “screeenshot”.
(*) É professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Essa crise é uma oportunidade para colocarmos o ser humano no centro da econom
“Penso que essa crise é uma oportunidade extraordinária para criarmos um outro consenso em que o ser humano, o trabalhador e a produção sejam a razão de ser da economia, e não a especulação financeira”, afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na última segunda-feira, em Roma, na Itália.
Ao participar de um seminário promovido pela Confederação Italiana dos Sindicatos dos Trabalhadores (CISL), com a participação da Confederação Geral Italiana do Trabalho (CGIL) e da União Italiana do Trabalho (UIL), sobre o tema “Nova economia, nova democracia”, Lula voltou a criticar duramente a especulação e disse que as decisões a serem tomadas para sair da crise são políticas e não econômicas.
“Temos, pela frente, desafios cuja solução não pode ser deixada nas mãos de tecnocratas, menos ainda dos aventureiros que transformaram a economia mundial em um grande cassino”, disse o presidente, ressaltando que “a pobreza e a exclusão que atingem centenas de milhões de homens e mulheres em todos os continentes não é só um problema econômico e social. É também uma questão política, ética e moral. Ela ameaça a paz no mundo e fere profundamente nossas consciências. Sabemos que não se pode solucionar esses grandes problemas sem uma reorganização profunda dos mecanismos de governança global”.
Descontraído, Lula brincou com os sindicalistas em diversas oportunidades. Uma delas foi quando ironizou as famosas agências de “risco” norte-americanas. “Mas me deixa inquieto quando eu vejo uma agência de risco, com a sua sede nos Estados Unidos, todos os dias medir o risco do meu País, que está crescendo, que tem reservas, que tem saldo positivo na balança comercial, e não vi até agora nenhuma agência medir o risco dos Estados Unidos. É como se apenas os países pobres pudessem oferecer risco a qualquer investidor internacional”, disse Lula.
O presidente exaltou os avanços conquistados pelo seu governo, o bom entrosamento com o movimento sindical e disse que o governo irá priorizar o mercado interno: “No Brasil, nós, enquanto Estado, vamos fazer, até 2010, US$ 250 bilhões de investimentos em obras de infra-estrutura, e não vamos parar nenhuma obra por conta da crise. Nós achamos que é o momento do mercado interno, nós achamos que é o momento de procurar novos parceiros. O fluxo comercial entre Brasil e Itália vai chegar a 8 bilhões este ano. É pouco, temos que trabalhar para chegar a 10, para chegar a 12, para chegar a 15, porque quanto mais diversificada for a nossa relação comercial, menos nós sofreremos por conta da crise econômica, do que se estivermos subordinados a um único país, a um único bloco”, destacou.
Na quarta-feira, após falar pelo telefone com o presidente eleito dos EUA, Barack Obama, Lula exaltou o resultado eleitoral, elogiou Obama e defendeu o fim do bloqueio a Cuba. “Não existe uma só razão para manter o bloqueio contra
Cuba”, afirmou.
Obama está comprometido com uma agenda corajosa

JESSE JACKSON*


O cinturão de proteção começou quase antes da dança ter parado na quarta pela manhã. Obama tem que ser “cuidadoso”. Esta ainda é “uma nação de centro-direita”, escreveu Bill Kristol. “O país segue dividido muito por igual”, diz o assessor de Clinton, Harold Ickes. O melhor que Obama teria a fazer é diminuir sua visão, ignorar o Congresso “liberal” e os lobbies liberais e governar a partir do centro.
A melhor resposta a isso veio do próprio campo de Obama. O recentemente apontado chefe de Gabinete Rahm Emanuel disse a “Face the Nation”: “Regra número um: Nunca deixe uma crise ser desperdiçada. Há oportunidades para fazer grandes coisas”.
John Podesta, que dirige a equipe de transição informou sobre Obama: “Ele se sente como quem possui um mandato real para a mudança. Temos que sair fora do rumo definido pelo governo Bush”.
Exatamente certo. Obama venceu com a maioria dos votos do eleitorado depois de uma campanha focada em um debate sobre que rumo tomar. Aos americanos foi dada a escolha entre aquilo que Obama chamou de “filosofia falida” da era Reagan, advogada por Bush e McCain (cortes de impostos para o topo, negócios para as corporações, economia de favorecimento dos mais ricos como forma de gotejar benefícios sobre os mais pobres, desregulamentação) e o “socialismo redistribucionista” do qual McCain acusou Obama (reforma para instituir o imposto progressivo, investimento público em novas formas de energia, serviços de saúde accessíveis a todos, etc.). Os americanos fizeram sua escolha clara.
E eles querem que sua escolha seja respeitada. Em uma pesquisa na véspera do dia da eleição, conduzida pela organização Campanha pelo Futuro da América com Democracia, os eleitores eram perguntados se a posição certa dos republicanos seria dar a Obama o benefício da dúvida e ajudar a passar seu programa, ou se eles deveriam se opor a este programa por estar na direção errada. Por uma impressionante margem de 75 a 21 os eleitores querem que os republicanos cooperem com Obama.
Aquele mandato conquistado no dia da eleição foi reforçado pelo mandato imposto pela realidade. Esta economia está com problemas e piorando. Nós tivemos, em termos de registro de emprego, nestes oito anos, a pior situação dos últimos 60 anos. E isto foi antes da recessão ficar pior. Os salários não recuperaram o valor que tinham no ano 2000. Pior ainda quanto ao serviço de saúde. A pobreza está crescendo.Os eleitores querem ação, a economia precisa de ação corajosa. Emanuel encorajou o Congresso a aprovar recursos para um programa de recuperação na próxima semana em sessão especial e prometeu ação mais ampla em janeiro sobre economia, energia, serviços de saúde e um corte de impostos para a classe média. Que não sejam feitos planos pequenos.
Se Obama seguir esta agenda corajosa, ele não terá problemas em sustentar o cerne da coalizão que o impulsionou ao cargo – mulheres trabalhadoras, negros, latinos, trabalhadores sindicalizados e jovens.
Há muita especulação sobre se Obama vai realizar a agenda dos negros, ou vai ao encontro às reivindicações das diversas lideranças. Mas o cerne da agenda dos afro-americanos não é diferente da dos trabalhadores cruzando todas as linhas de raça.
Eles querem trabalhos bem remunerados, planos de saúde acessíveis, escolas públicas muito boas para seus filhos. Eles querem que a nova economia verde os inclua e não seja um fator de sua exclusão. Os negros e latinos sofrem a pior pobreza. Quando a economia decai, eles são os primeiros a sentir os efeitos. Eles não têm agenda em separado que não seja uma ação corajosa.
Quanto a isso, o presidente eleito, Barack Obama, se direciona à agenda não concluída do movimento pelos direitos civis.
Para o reverendo Martin Luther King Jr., o primeiro movimento da sinfonia dos direitos civis era acabar com a segregação; o segundo era conquistar os direitos de voto. Mas o terceiro, e ainda inacabado movimento, era dar oportunidade econômica aos afro-americanos e à classe trabalhadora.
Finalmente, somos uma família e devemos todos compartilhar as bênçãos da prosperidade. Agora, trabalhadores de todas as raças, particularmente os jovens, vêem o sonho americano se mover para mais longe e fora de seu alcance. E agora, pela primeira vez desde Lyndon Johnson, eles têm um presidente comprometido a ser tão corajoso quanto os problemas que enfrentamos. Eles estão com toda a disposição e prontos para a jornada.
*Ex-senador pelo Partido Democrata e um dos principais líderes da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, companheiro de jornada de Martin Luther King
Socorro aos bancos e miséria social

ALTAMIRO BORGES *



Num curtíssimo espaço de tempo, com o agravamento da crise mundial do sistema capitalista, os bancos centrais dos chamados países desenvolvidos já desembolsaram mais de US$ 2,8 trilhões para socorrer o sistema financeiro, segundo recente relatório do governo inglês. Este montante equivale a 6% do Produto Interno Bruto (PIB) global, a toda riqueza produzida no planeta. Esta generosa operação de salvamento, feita com recursos públicos, com o dinheiro arrecadado dos tributos da sociedade, evidencia todo o cinismo dos banqueiros e dos magnatas capitalistas.
Os mesmos agiotas que impuseram as teses neoliberais do “estado mínimo” e da libertinagem financeira, agora exigem o socorro dos cofres públicos. Eles chantageiam os estados, afirmando que se não obtiveram ajuda imediata e trilionária afundarão a economia mundial numa longa e prolongada recessão. Alguns financistas até tripudiam da cara da sociedade. Após conduzirem a economia ao precipício, jogando no desespero milhares de trabalhadores demitidos e desalojados de suas casas, os chefões destes bancos são “penalizados” com prêmios e festas nababescas.
FARRA MACABRA DOS BANQUEIROS
“Os menos aflitos com a crise parecem ser os executivos das instituições falidas ou em apuros. A recém-estatizada seguradora AIG deu folga de uma semana para seus executivos no balneário St. Regis, na Califórnia, menos de uma semana depois do Tio Sam evitar sua falência. Pagou US$ 400 mil pela semana de férias... Joseph Cassano, o seu administrador de produtos financeiros, vai receber 1 milhão de dólares pelo serviço de consultoria, e o seu ex-presidente, Martin J. Sullivan, recebeu um premio de desempenho de US$ 5 milhões”, relata, indignada, a revista Carta Capital.
“Richard Fuld, ex-presidente do primeiro grande banco de investimento a falir sem possibilidade de resgate ou aquisição, o Lehman Brothers, foi remunerado em 300 milhões de dólares de 2000 a 2007, enquanto os funcionários perderam US$ 10 bilhões com a falência. Os executivos do Wachovia fizeram com o Wells Fargo, que se ofereceu para adquirir o banco, um acordo para embolsar US$ 225 milhões. Depois de levar à beira da falência o sexto maior banco dos EUA, o ex-presidente do Washington Mutual, Kerry Killinger, recebeu 22 milhões em indenização”.
A farra macabra dos banqueiros, que parecem festejar diante das vítimas da crise, também virou notícia no jornal Valor. “A indecência de diretores dos grupos financeiros salvos pelo dinheiro público provoca revolta das autoridades na Europa e EUA. A direção do grupo belga Fortis fez um banquete de US$ 200 mil para 50 corretores alguns dias depois do banco ter sido salvo da falência graças à intervenção pública”. No rega-bofe num palácio gastronômico do principado de Monte Carlos, “somente um prato de 50 gramas de caviar real do Irã custou US$ 650”.
CADÊ O SOCORRO AOS FAMINTOS?
Os banqueiros realmente não têm do que se preocupar. Na fase da bonança, da orgia financeira, eles privatizaram os lucros e acumularam fortunas; agora, eles socializam os prejuízos, jogando nas costas da sociedade o ônus da crise. Totalmente impunes pelos crimes cometidos, eles ainda recebem generosos prêmios e tiram férias. Bem diferente é a situação dos trabalhadores, que são lançados no desemprego e no desespero. A contradição no mundo capitalista é revoltante. Para os tubarões das finanças, o socorro imediato do estado; para os trabalhadores, nem as migalhas.
A atual crise mundial evidencia que não há falta de recursos para resolver as mazelas sociais no planeta. Em curto espaço de tempo, os estados capitalistas desembolsaram trilhões para socorrer os bancos. Já para salvar a humanidade da barbárie, o dinheiro nunca existe. Quando os governos investem em raquíticos programas sociais, logo aparecem os ricaços exigindo o “corte dos gastos públicos”. A própria ONU estimou que, para suavizar o drama de dois bilhões de seres humanos que vegetam abaixo da linha da pobreza, seriam necessários US$ 150 bilhões anuais.
Com base neste cálculo, a ONU fixou os chamados Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, que estabelece metas para reduzir a pobreza e a fome, diminuir a mortalidade infantil, garantir acesso a água e esgoto, entre outras medidas. Nem a metade destes recursos foi arrecadada até agora e as metas já foram proteladas. Até 2015, prazo do programa da ONU, seriam necessários US$ 1,2 trilhão. Os estados capitalistas alegam falta de recursos. Mas, diante da crise do sistema financeiro, gastaram US$ 2,8 trilhões em poucos dias para salvar os banqueiros e especuladores.
* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor dos livros “Venezuela: originalidade e ousadia” e “Sindicalismo, Resistência e Alternativas”.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Lessa: temos que segurar com unhas e dentes as nossas reservas cambiais

O economista Carlos Lessa, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), defendeu o controle do câmbio como principal medida para o Brasil enfrentar os efeitos da crise norte-americana." O Brasil precisa centralizar e controlar o câmbio, porque não podemos deixar que saiam do país mais dólares do que entram. Temos que ter uma política para represar dólares, de puxar para cá os dólares que estão fora. Meirelles está matando a indústria e fazendo deste país um país de jogadores em juros altos. Os dólares só deixam o país para comprar máquinas ou ações da Petrobrás na Bolsa de Nova York, caso contrário ficam aqui", defendeu Lessa.PESADELOAo participar do programa "Brasil Nação", no domingo (9), na TV Paraná Educativa, Lessa alertou que o maior entrave para o Brasil superar a crise e sair dela fortalecido é o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. "Criticar o Meirelles é ir contra o sistema financeiro internacional, contra o mercado de capitais, contra esta loucura chamada globalização financeira", disse Lessa, lembrando que foi demitido da presidência do BNDES, depois que chamou de pesadelo a política de juros altos instituída por Meirelles. "Agora, estamos em pleno pesadelo. Meirelles não fará nada para ajudar o Brasil a ser o Brasil que os brasileiros sonham. Ele fará tudo para ajudar os grandes bancos, agora com mais poderes. O presidente Lula acaba de assinar uma MP, que deu ao presidente do Banco Central pleno poderes. Ele pode fazer qualquer coisa. Pode ajudar qualquer banqueiro, fundo de pensão ou empresa. O que a Nação espera de Meirelles é que ele conserve as reservas internacionais brasileiras, que há dois meses atrás somavam US$ 207 bilhões em títulos do tesouro norte-americano. Eu não sei quanto ele gastou até agora, mas temos que segurar com unhas e dentes o que sobrou. Não acredito que o Meirelles venha a segurar alguma coisa, porque ele é presidente do banco central do mercado e não do Brasil", afirmou. Para Carlos Lessa, se o Brasil ficar sem suas reservas cambiais, "no dia seguinte, entregaremos o pré-sal, os aeroportos, o Porto de Paranaguá e tudo o que sobrou do processo de privatização". Ele considerou estranho o presidente e os demais diretores do Banco Central desconhecerem que acontecia na Aracruz Celulose, Votorantin e Sadia, que perderam bilhões de dólares com a crise. "Isso demonstra que o Brasil possui uma ponta negra, que ninguém sabe dizer, que pode transformar em pó nossas reservas".Carlos Lessa disse que as crises são comuns no sistema capitalista, mas que a atual pode ser comparada as graves crises de 1870 e 1929, que só foram resolvidas com grandes guerras. "O que até agora historicamente o capitalismo revelou é que é capaz de superar suas grandes crises com muita dor para a humanidade. As duas guerras mundiais são duas passagens desta conta de dor. Um preço alto demais", declarou. "Isto é extremamente importante para que todos tenham consciência ao avaliar as medidas que o governo brasileiro venha a tomar para superar a crise, caso contrário o mundo continuará vivendo a globalização financeira com todos os seus desvarios".PRÉ-SALLessa considerou que o país tem todas as condições de sair fortalecido da crise. "Estamos extremamente preparados para crescer na direção dos sonhos dos brasileiros, descritos na Constituição de 1988, que é fazer com que cada brasileiro tenha nível adequado de educação, de alimentação, habitação e que tenha acesso a cultura, lazer e a felicidade social coletiva. Se há um país no mundo que tenha potencialidade para tudo isto é o Brasil", disse Lessa, ao se referir à descoberta de petróleo no pré-sal "que eleva o Brasil a condição de detentor da quinta reserva mundial"."Se manejarmos mal esta crise que avassala o mundo, debilitaremos o Brasil de tal maneira que seremos obrigados a entregar esta reserva riquíssima de petróleo. Os Estados Unidos não estão interessados no etanol brasileiro, mas sim no pré-sal. Eles se jogaram para o Iraque, porque suas reservas só são suficientes para cinco anos. Então, tendo no quintal dos fundos uma reserva como o pré-sal, passa a ser um objeto de desejo", alertou o economista, ex-reitor da UFRJ.
Lula: sistema financeiro ruiu e com ele o dogma da não-intervenção do Estado
Em discurso na abertura da reunião do G-20 (grupo dos ministros da área econômica e presidentes dos Bancos Centrais das 20 maiores economias do mundo), realizada em São Paulo, no último fim de semana, o presidente Lula responsabilizou a especulação financeira dos países ricos pela crise econômica mundial. “A crise”, disse ele, “nasceu nas economias avançadas”. “Ela é conseqüência da crença cega na capacidade de auto-regulação dos mercados e, em grande medida, na falta de controle sobre as atividades de agentes financeiros”, apontou. “Muitos dos que antes abominavam um maior papel do Estado na economia passaram a pedir desesperadamente sua ajuda”, lembrou.
“Por muitos anos especuladores tiveram lucros excessivos, investindo o dinheiro que não tinham em negócios mirabolantes”, denunciou o presidente, lembrando que “agora todos estamos pagando por essa aventura”. “Esse sistema ruiu como um castelo de cartas e com ele veio abaixo a fé dogmática no princípio da não intervenção do Estado na economia”, afirmou.
Lula combateu também a idéia, difundida pelos arautos do neoliberalismo e funcionários dos monopólios financeiros, que as decisões de política econômica não podem ser tomadas pelos representantes políticos da sociedade. “Temos de trazer para a esfera pública decisões antes tomadas por supostos especialistas, mas que só serviam interesses privados”, denunciou.
Ele avaliou que, diante da gravidade da crise atual, o G-7 sozinho “não tem mais condições de conduzir os assuntos econômicos do mundo”. “A contribuição dos países emergentes é essencial. Por isso enfatizo o que disse antes. Precisamos aumentar a participação dos países em desenvolvimento nos mecanismos decisórios da economia mundial”. “Devemos revisar o papel dos organismos existentes ou criar novos, de forma a fortalecer a supervisão e a regulação dos mercados financeiros”, completou
China investirá 7% do PIB ao ano para sustentar crescimento de 9%


O plano anunciado no domingo, dia 10, será implementado até 2010 e disporá de R$ 1,23 trilhão para investimentos em infra-estrutura, estímulo à produção, instalações públicas, novas moradias e melhoria das condições de vida da população
A China anunciou no domingo dia 10 um pacote de mais de R$ 1,23 trilhão em investimentos em obras de infra-estrutura, estímulo à produção, novas instalações públicas, mais moradias e melhoria das condições de vida para assegurar, no próximo ano, um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 9%. “Com a recessão global claramente à vista, a China deve se sustentar a si mesma através do desenvolvimento do mercado interno para compensar a demanda externa mais fraca”, registrou a agência de notícias Xinhua, relatando as decisões do governo chinês.
O plano de dez pontos, que será implementado até 2010, tem como centro o fortalecimento do consumo interno e como motor a ampliação da integração do país, através de novas ferrovias, estradas, metrô, portos, energia e redes de telecomunicação. Em valor, metade do plano destina-se a essas grandes obras. A meta anunciada é que o país, dentro de dois anos, terá uma malha ferroviária de 90.000 km de extensão, e que até 2012 estará operando o trem-bala entre Shijiazhuang, capital da província onde fica Pequim, e Wuhan, capital da província de Hubei, no centro do país. A obra de 841 km completará a ligação ferroviária de Pequim a Hong Kong. A China também já superou os EUA como o país que mais investe por ano em rodovias.
EXPANSÃO
O conselho de ministros considerou a crise econômica mundial em curso como “uma nova oportunidade” para a China. O novo investimento é da ordem de 7% do PIB ao ano. Trata-se de “expandir a demanda doméstica, acelerar a construção de instalações públicas e melhorar os padrões de vida dos pobres para atingir crescimento econômico ‘estável e relativamente rápido’”. “Nos últimos dois meses, a crise financeira global se intensificou diariamente”, afirmou o conselho, acrescentando que, para expandir os investimentos, “devemos agir rapidamente e com determinação”. Além das grandes obras de infra-estrutura, o plano irá reconstruir as áreas devastadas pelo terremoto de 12 de maio. Irá, ainda, melhorar as condições de vida e a renda no interior do país. Com a construção de estradas, escolas, hospitais e unidades culturais; saneamento básico, água potável e luz; um programa de moradias para a baixa renda; irrigação em larga escala e, entre outros projetos, a transposição de águas Norte-Sul.
Como o objetivo é intensificar o mercado interno, outra meta é o aumento do salário real tanto nas cidades como no campo; o aumento do preço mínimo de aquisição da produção agrícola e assim como do volume de recursos para a agricultura; o aumento do valor das aposentadorias e do número de beneficiados por serviços especiais; e mais programas de assistência aos mais pobres. O plano inclui, também, medidas de proteção do meio ambiente, redução da poluição e reversão de áreas degradadas. O que ocorrerá através de estações de tratamento de água e esgoto, projetos de controle da poluição, cinturões verdes e reflorestamento.
ALTA TECNOLOGIA
Na indústria, o plano irá estimular a inovação e reestruturação, assim como o desenvolvimento dos setores de alta tecnologia. Também prevê investimentos nos serviços e políticas preferenciais para pequenas e médias empresas. A indústria será beneficiada com uma mudança no cálculo do imposto sobre o valor agregado, que representará um alívio fiscal da ordem de R$ 30 bilhões. As medidas deverão ter, ainda, efeitos positivos na fabricação de cimento, ferro e aço.
A elaboração do plano foi antecedida por duas reduções de juros em menos de 30 dias em outubro, e agora, com o pacote, foram reduzidos os compulsórios e ampliadas as linhas e condições de crédito. A inflação de setembro, anualizada, foi a menor em seis meses, 4,6%. De acordo com o “New York Times”, “muito do capital” para a melhoria da infra-estrutura virá “dos bancos e companhias estatais que estão sendo encorajados a se expandirem mais rapidamente”. A China continua tendo o maior crescimento econômico do mundo, embora a taxa tenha caído em 2,3% este ano, para 9,9%. O superávit de conta corrente cresceu 18% no primeiro semestre, e as reservas de divisas são de quase US$ 1,8 trilhão. O ritmo de crescimento das exportações, nos três primeiros trimestres, se reduziu de 27,1% para 22,3%, e o impacto se acelerou ao longo do último mês, levando o governo chinês a agir no sentido que já vinha sendo planejado.
Aquisição do Unibanco pelo Itaú monopoliza ainda mais o crédito


Cartel financeiro passa a ser dominado por apenas quatro bancos privados, dois deles estrangeiros
A “fusão” do Unibanco com o Itaú recebeu os festejos entusiásticos de todos os patifes do chamado “jornalismo econômico” - e também de alguns que não são, em absoluto, patifes, mas parecem subestimar o significado dos festejos promovidos pelos primeiros.
Como toda “fusão” bancária, trata-se de uma compra, nesse caso do Unibanco pelo Itaú – como, aliás, registraram com precisão os boletins das consultorias, enviados aos especuladores e empresas que são os seus clientes: os atuais donos do Itaú ficarão com 66% da empresa-holding que controlará o novo banco; em compensação, os donos do Unibanco receberam, na segunda-feira, dia 3, um lauto “prêmio” de 162% em relação ao preço de sexta-feira, dia 31, das ações com direito a voto (“ações ordinárias”).
DESNACIONALIZAÇÃO
Ainda não é clara a participação do capital estrangeiro. O presidente do Itaú falou, de passagem, em redução da participação estrangeira no novo banco. Sabe-se que parte das ações do Itaú era de propriedade do Bank of America. Por seu lado, o Unibanco é conhecido há décadas por suas relações com o Chase Manhattan Bank (atual JP Morgan-Chase), banco dos Rockefellers, e com o Citibank.
Mas essa é apenas uma breve descrição do negócio. A conseqüência dele será a de que o país contará com apenas quatro grandes bancos privados – além do Itaú-Unibanco, dois estrangeiros (Santander-ABN Real e HSBC), e o Bradesco. Assim, o monopólio do dinheiro – o cartel dos bancos – que já era extremamente concentrado, ficou mais concentrado ainda.
Como disseram alguns “analistas de mercado” com certa vocação para a sinceridade, é evidente que quanto maior a concentração, e quanto menor a concorrência, mais altos tendem a ser os juros bancários – juros para capital de giro das empresas e para o consumidor, além da esterilização de quantidades monumentais de dinheiro na especulação. Num momento como o atual, com escassez de crédito, pior ainda se o crédito é monopolizado em menos mãos do que antes.
Só existe, naturalmente, um motivo para a concentração bancária: aumentar os lucros com uma monopolização maior sobre os recursos da população – no caso, sobre os recursos de 15 milhões de clientes, pessoas físicas e empresas – usando-os na especulação. Não é, portanto, uma preocupação abstrata aquela manifestada por uma advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec): “Não é justo que, com a fusão, o consumidor pague mais tarifa, tenha um pior atendimento e, no fim, os bancos registrem lucros exorbitantes”. Lembrou ela que no último dia 30 o Unibanco já havia aumentado suas tarifas em 6%.
Somente elementos como o sr. Meirelles, ex-presidente do BankBoston, podem declarar sem constrangimento que uma maior concentração bancária fortalece mais a economia nacional. Uma maior concentração bancária fortalece mais o cartel dos bancos – precisamente por colocar a economia nacional mais à mercê deste cartel. Não tem outro sentido a compra do Unibanco pelo Itaú, meses após a aquisição do ABN Real pelo Santander.
ESPOLIAÇÃO
Além disso, segundo os presidentes do Itaú e do Unibanco – Roberto Setúbal e Pedro Moreira Salles – o objetivo da “fusão” é transformar o novo banco num “player global” em cinco anos. Ou seja, o problema deles não é contribuir para a economia nacional, mas usar seu poder financeiro sobre a nossa economia para, inclusive, explorar outras economias. Se os bancos estrangeiros nos escalpelam, então que os bancos brasileiros escalpelem outros países – que certamente não serão os EUA ou a Alemanha ou o Japão. Nada se pode esperar de “fortalecimento” da economia nacional com semelhante atividade predatória. O máximo que se pode esperar é que dentro em breve os bancos daqui sejam expulsos da Colômbia e do Peru – ou pelo povo daqueles países ou pelos bancos norte-americanos, que não gostam de concorrentes (concorrência não é especialidade de monopólios) na espoliação de países menos desenvolvidos.
Nesse sentido, é uma dose extra de engodo propalar que “fusões” de bancos privados são o caminho para resistir aos bancos estrangeiros. O Itaú Unibanco terá ativos no valor de US$ 324 bilhões, superando o Bradesco como primeiro banco privado de titularidade brasileira. O JPMorgan-Chase, hoje o maior banco dos EUA, tem ativos de US$ 1 trilhão e 378 bilhões; o Bank of America, US$ 1 trilhão e 327 bilhões; o Citibank, US$ 1 trilhão e 228 bilhões; o infortunado Wachovia, quarto maior banco dos EUA, tem US$ 670 bilhões; e o Wells Fargo, aquele do tempo das diligências, tem US$ 503 bilhões.
Portanto, pensar em “concorrência” privada com esses tiranossauros é coisa de tontos. A maior concentração de bancos privados no Brasil somente servirá para facilitar o trabalho deles de devorar e digerir o sistema financeiro nacional quando chegar a hora que achem apropriada para essa refeição.
LUCRO
O maior autor de best-sellers do momento, Karl Marx, com sua incomparável verve, escreveu: “O capital tem tanto horror à ausência de lucro ou de um lucro muito pequeno quanto a natureza tem horror ao vácuo. Com um lucro apropriado, o capital é despertado; com 10% de lucro, ele pode ser usado em qualquer lugar; com 20%, torna-se vivaz; com 50%, fica positivamente ousado; com 100%, ele esmagará com os pés todas as leis humanas; e com 300%, não existe crime que ele não se disponha a cometer, ainda que se arrisque a ir para a cadeia”.
Os banqueiros estão nos últimos dois casos, sobretudo no último. Sua atividade, na época dos cartéis e monopólios financeiros é, rigorosamente, anti-social. Seu objetivo não é financiar a produção. Pelo contrário, é expropriar os empresários produtivos. Seu objetivo também não é financiar o consumo. Pelo contrário, é arrancar o couro dos consumidores com os seus juros. Também não lhes interessa o fortalecimento do Estado e do país, os quais, no fundo, consideram uma aporrinhação para sua atividade. Pelo contrário, drenam os recursos do Estado para seus cofres, parasitam a nação através da dívida pública e se tiverem, para amealhar dinheiro – ou para não perdê-lo - de entregar a propriedade a estrangeiros, o farão, mais ou menos confortavelmente, dependendo do caso.
Qualquer um que viveu as últimas décadas no Brasil – ou em qualquer lugar onde exista monopólio bancário privado – sabe que não há grão de exagero no que acabamos de afirmar. Bancos nem ao menos lidam com seu próprio dinheiro. Como disse nosso best-seller, “ao especular, o que arrisca em grande escala é a propriedade social e não a sua. (....) a origem do capital na poupança perde também qualquer sentido, pois o especulador exige justamente que outros poupem para ele”.
Não é incentivando um monopólio financeiro, real ou supostamente brasileiro - inclusive para espoliar outras nações – que vamos nos livrar da crise, manter e aprofundar o crescimento e libertarmo-nos da espoliação a que somos submetidos pelo capital financeiro externo. Simplesmente porque nada há de mais antagônico ao crescimento do que o parasitismo especulativo e nada mais oposto à justiça social do que a pilhagem de toda a população por dois ou três banqueiros.
É evidente que precisamos de um verdadeiro sistema financeiro nacional – que financie a produção e o consumo, que torne acessível o crédito ao empresário que quer investir em sua empresa, além de descontar suas duplicatas sem ser roubado pelo banco, e que forneça recursos a juros racionais ao trabalhador e cidadão que quer comprar um bem de consumo.
Mas isso somente é possível através do Estado, através dos bancos estatais, da mesma forma que somente através desse sistema público bancário é possível resistir aos tiranossauros financeiros externos que mencionamos. E isto é assim porque os bancos estatais pertencem à coletividade e não a um monopolista financeiro, sequioso de expropriar o país, o povo, Deus e o mundo – tanto quanto é candidato a ser expropriado pelo primeiro monopolista mais forte que aparecer.
CARLOS LOPES

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Marx, o consultor que não foi ouvido



“O terremoto financeiro deixou muitos jornalistas e editorias de economia sem discurso. Tivessem diversificado a leitura e a perplexidade com a crise seria menor”, afirma Gilson Caroni Filho em artigo que publicamos na íntegra. O autor sugere que diversifiquem a leitura, recomendando “uma leitura atenta do livro três, do quinto volume de ‘O Capital’”

GILSON CARONI FILHO*

Uma das características do jornalismo econômico brasileiro, como bem destacou o analista César Fonseca, em artigo para o Observatório da Imprensa (“Símbolo da desinformação ideológica”, edição de 6/6/2005) é a perspectiva mecanicista adotada. Funciona como uma espécie de manual de proteção contra o pensamento crítico. Simplificadora ao máximo, dá livre curso aos sofismas do observador isento. Positivistas e neoclássicos não escondem a familiaridade que sempre tiveram uns com os outros nas páginas dos grandes jornais.
O movimento da realidade capitalista é concebido tendo como eixo um consumidor abstrato. Assim, não há como não resvalar para uma visão reducionista e cindida do que se pretende explicar. Perdido o ponto de vista das forças produtivas e das relações sociais de produção em seu caráter dual, dialético e interativo, o que sobra é uma economia sem processo histórico, uma petição que se evapora em equações matemáticas duvidosas.
Se uma coisa está bastante clara na crise financeira que se abateu sobre o capitalismo é que o terremoto deixou as editorias de economia sem discurso. E disso, elas ainda não se deram conta plenamente. Continuam a ver como derrapagem operacional o que é constitutivo do próprio modo de produção: as origens dessa crise, como de tantas outras, é uma crise de origem. Não há ponto de equilíbrio na lógica financeira. Nunca houve. Nunca haverá.
A jornalista Miriam Leitão, como tantos outros, é uma repetidora contumaz do que lhe sopram consultores de banco e economistas de formação neoclássica. Apesar de tudo, continua pontificando na grande imprensa, mas não consegue esconder o desconforto com a repentina nudez imposta pelo desmoronamento das falsas crenças que, junto, levaram o suposto conhecimento de causa. Resta o consolo de não estar sozinha, mas a desenvoltura de outrora deu lugar a uma postura reativa.
INDIGÊNCIA
Prova disso é o aumento da indigência discursiva. Em seu programa de 31/10, na Rádio CBN, dedicou-se a especular sobre quais seriam os prováveis “ganhadores” da crise. E o saldo inicial apontou para o FMI que estava caindo em desuso e sem importância política; os executivos de grandes bancos que ainda embolsarão gordos dividendos, e agências de risco que, apesar dos erros colossais continuam funcionando e influenciando o mercado.
Mas a jornalista se esqueceu de um detalhe e, como sabemos, é nele que mora o diabo. Quem foram os perdedores? Quem apostou todas as fichas na cartilha neoliberal?
Os conselhos de Hayek e Friedman não davam margem a qualquer dúvida. Bastava reduzir o tamanho do Estado e diminuir os gastos públicos. Deixar tudo por conta da iniciativa privada para que o mercado de capitais funcionasse como motor infalível. Era seguro que viveríamos momentos de abundância de capital barato no mundo. E, se por algum motivo, a disponibilidade de recursos fosse afetada, a economia teria atributos insondáveis que nos recolocariam em situação favorável.
As crises precedentes foram “assimiladas” e as agências internacionais de análise de risco eram confiáveis termômetros a atestar a realidade saudável de uma economia repleta de estatísticas otimistas. Os governos deveriam delegar ao capital todos os investimentos que tivessem condições de oferecer taxas de retorno atraentes e cuidar apenas de construir arcabouços regulatórios que impedissem qualquer restrição ao livre movimento do capital, ao empreendorismo vitorioso.
Só a política podia atrapalhar a economia. E isso devia ser evitado a qualquer custo. Se a “ineficiência” do Estado afugentava o investidor, o ideal era abater o Leviatã a tiros, pois, como informava a cartilha, quem gera renda e emprego não é o setor público, mas a iniciativa privada e era para ela, e seus investimentos, que deveria ser criado um ambiente receptivo, com precarização das relações trabalhistas e supressão de direitos sociais.
Outro axioma era quanto à inserção internacional escolhida. A “boa razão” mandava abandonar a política ”terceiro-mundista” do governo Lula e eleger a Alca como objetivo maior. Afinal ganharíamos em escala com uma associação efetiva aos interesses dos Estados Unidos. Mais sensato do que tentar unir o que assimetrias regionais tornavam demasiadamente custoso. A América Latina- e nisso os plantonistas do neoliberalismo ainda insistem - sempre foi uma impossibilidade histórica.
Tudo era tão cristalino que só a má-fé ideológica poderia contestar. Esse não era o discurso único de consultores e jornalistas? Gente acostumada com números, índices e crenças inabaláveis? Pessoas que não costumavam errar, “profissionais do mercado”, figuras centrais de um mundo pós-keynesiano em que os agentes alocavam, com perfeição, almas e recursos. Quebrado o encanto, vislumbraram o horror econômico, um pânico nunca imaginado no paraíso de Hayek.
O CAPITAL
Tivessem diversificado a leitura e a perplexidade com a crise financeira seria menor. Bastava uma leitura atenta ao livro três, do quinto volume de O Capital. Lá, o velho Marx demonstra por que seu pensamento ainda é o de maior relevância explanatória quando se quer entender o capitalismo. Os trechos escolhidos são a evidência da vitalidade teórica. Mostram a atualidade de uma análise vigorosa que, por decreto ideológico, foi relegada ao plano das idéias ultrapassadas.
“Num sistema de produção em que o mecanismo do processo de reprodução repousa sobre o crédito, se este cessa bruscamente admitindo-se apenas pagamento de contado, deve evidentemente sobrevir crise, corrida violenta aos meios de pagamento. Por isso, à primeira vista, toda crise se configura como simples crise de crédito e crise de dinheiro. E na realidade trata-se apenas da conversibilidade das letras em dinheiro. Mas, essas letras representam, na maioria dos casos, compras e vendas reais cuja expansão ultrapassa de longe as exigências da sociedade, o que constitui, em última análise, a razão de toda a crise”.
“Ademais, massa enorme dessas letras representa especulações puras que desmoronam à luz do dia; ou especulações conduzidas com capital alheio, porém, mal sucedidas: finalmente, capitais-mercadorias que se depreciaram ou ficaram mesmo invendáveis, ou retornos irrealizáveis de capital”.
“Tudo aqui está às avessas, pois, nesse mundo de papel, não aparecem o preço real e seus elementos efetivos, vendo-se apenas barras, dinheiro, sonantes, bilhetes, letras, valores mobiliários”.
“Representa para o possuidor e para o credor deste (e como garantia de letras e empréstimos), menos capital-dinheiro que ao tempo em que foi adquirido e em que, por ele garantidos, se efetuaram descontos e empréstimos”.
Como se vê com pequenas adaptações aos mecanismos criados ao longo do tempo, o “trabalho de consultoria” de Marx supera o de qualquer discípulo de Hayek e Friedman. Se Miriam quer descobrir quem foram os derrotados, deve estar atenta a um dado crucial: o vencedor transpõe dialeticamente o problema. O derrotado dá voltas em torno dele. E esse tem sido o movimento da imprensa nativa e seus economistas mais graduados. Dar voltas em torno de uma cauda que não pára de abanar.
*Professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e do Observatório da Imprensa.
De costa a costa, americanos celebram a vitória de Obama"A mudança chegou à América",



afirmou o presidente eleito para a multidão que foi recebê-lo no Grant Park, em Chicago Nesta noite, por causa do que fizemos neste dia, nesse momento decisivo, a mudança chegou à América", afirmou o presidente eleito dos EUA, Barack Obama, na madrugada da quarta-feira, a centenas de milhares de pessoas que se aglomeravam dentro e nas avenidas que circundam o Grant Park, em Chicago, Illinois, na festa da vitória do democrata sobre John McCain. A vitória foi comemorada, de costa a costa, com manifestações diante da Casa Branca, nas ruas de Nova Iorque e da imensa maioria das cidades dos EUA. A multidão começou a chegar ao local ainda durante o dia e o entusiasmo aumentava à medida que os telões anunciavam Estados em que Obama obtinha vitórias. Com a ratificação pelas redes de televisão de que a vantagem era irreversível, as pessoas explodiram de alegria e se abraçaram emocionadas. Entre as personalidades presentes em Chicago, estava o líder histórico dos direitos civis, que marchou ao lado de Martin Luther King em muitas jornadas, reverendo Jesse Jackson, que não conteve sua emoção. A apresentadora de TV, Oprah Winfrey, apoiadora de Obama desde as primárias, também festejou a vitória em Grant Park. Presentes também lideranças do Partido Democrata de todo o país.Assim que Obama subiu ao palanque, a multidão passou a saudá-lo com o grito de "Yes, we did" (Sim, nós conseguimos), em referência ao mote "Yes, we can" (Sim, nós podemos) da campanha democrata, que bateu todos os recordes de apoio financeiro popular com milhões de contribuintes individuais pela internet e mobilizou milhares de voluntários desde a disputa nas primárias em que o senador de Illinois conquistou a indicação de seu partido."Nossa campanha não nasceu nos corredores de Washington. Foi construída por homens e mulheres trabalhadores que rasparam as pequenas poupanças que tinham para dar US$ 5, US$ 10 e US$ 20 para essa causa. Cresceu com a força dos jovens que rejeitaram o mito de apatia da sua geração".Ele afirmou que essa vitória mostra "que nunca fomos simplesmente uma coleção de indivíduos ou um conjunto de estados vermelhos e estados azuis, mas sim os Estados Unidos da América".Obama ressaltou as dificuldades que enfrentará após oito anos de Bush. "Podemos comemorar nesta noite, mas precisamos entender que os desafios que virão amanhã serão os maiores de nossos tempos - duas guerras, um planeta em perigo, a pior crise financeira do século"."Lembremos que, se essa crise financeira nos ensinou uma coisa, foi que não podemos ter uma Wall Street próspera, enquanto a Main Street [a economia real] sofre", acrescentou.Agradeceu à sua mulher, Michelle Obama, a equipe de campanha, ao vice-presidente Joe Biden, mas, sobretudo, "a quem realmente pertence esta vitória. Ela pertence a vocês", disse à multidão."Esta é nossa oportunidade. Esse é nosso momento de devolver as pessoas ao trabalho e abrir portas de oportunidade para nossas crianças; de restaurar a prosperidade e promover a paz. Sim, nós podemos", conclamou, acompanhado pelas centenas de milhares de presentes: "Sim, nós podemos". "Estas eleições", prosseguiu, "contaram com muitos inícios e muitas histórias que serão contadas durante séculos. Mas uma que tenho em mente esta noite é a de uma mulher que votou em Atlanta"."Ela se parece muito com outros que fizeram fila para fazer com que sua voz seja ouvida nestas eleições, exceto por uma coisa: Ann Nixon Cooper tem 106 anos. Nasceu apenas uma geração depois da escravidão, quando alguém como ela não podia votar por dois motivos - por ser mulher e pela cor de sua pele", disse."Esta noite penso em tudo o que ela viu durante seu século nos EUA - a desolação e a esperança, a luta e o progresso, às vezes em que nos disseram que não podíamos e as pessoas que se esforçaram para continuar em frente com esta crença americana: Sim, nós podemos"."Em uma época em que as vozes das mulheres foram silenciadas e suas esperanças descartadas, ela sobreviveu para vê-las serem erguidas, expressarem-se e estenderem a mão para votar. Quando havia desespero e uma depressão ao longo do país, ela viu como uma nação conquistou o próprio medo com uma nova proposta, novos empregos e um novo sentido de propósitos comuns. Quando as bombas caíram sobre nosso porto e a tirania ameaçou ao mundo, ela estava ali para testemunhar como uma geração respondeu com grandeza e a democracia foi salva. Sim, nós podemos"."Ela estava lá pelos ônibus de Montgomery, pelas mangueiras de irrigação em Birmingham, por uma ponte em Selma e por um pregador de Atlanta que disse a um povo: 'Superaremos'. Sim, nós podemos. E este ano, nestas eleições, ela tocou uma tela com o dedo e votou, porque após 106 anos nos EUA, durante os melhores e piores tempos, ela sabe como os EUA podem mudar. Sim, nós podemos", afirmou Obama.
Lula inaugura segunda casa de força da Hidrelétrica de Tucuruí




O presidente Lula inaugurou, nesta terça-feira (4), a segunda casa de forças da Usina Hidrelétrica Tucuruí, localizada no rio Tocantins, no Pará. A usina é a maior obra de engenharia da Amazônia, empreendimento 100% nacional sob a responsabilidade da Eletronorte.
“A inauguração desta segunda fase é um exemplo de que enquanto alguns estão fazendo a apologia da crise eu estarei viajando o Brasil inaugurando obras, dando ordens de serviço e fiscalizando, porque contra a recessão só tem uma solução: mais produção. E é isso que o Brasil tem que fazer”, afirmou Lula, condenando os que ficam “fazendo apologia à morte, todos os dias, torcendo para que a crise chegue ao Brasil”.
“Nós vamos reagir assim: mantendo as obras, incentivando os empresários brasileiros a continuar produzindo, fazendo com que o crédito volte a irrigar todo o sistema neste país, seja na construção civil, na agricultura, na indústria automobilística, na pequena e média empresa brasileiras”, disse Lula sobre como enfrentar o “vendaval” provocado pela crise “que nasceu nos Estados Unidos”. “O Brasil não quebrou e não vamos paralisar nenhuma obra do PAC, todas serão mantidas”, assegurou.
O presidente estava acompanhado da governadora do Pará Ana Júlia Carepa, dos ministros Dilma Rousseff (Casa Civil), Edison Lobão (Minas e Energia) e Carlos Lupi (Trabalho), e dos presidentes da Eletrobrás, Jorge Antonio Muniz, e da Eletronorte, Jorge Palmeira.
CICLO
A comitiva visitou as obras das duas eclusas de Tucuruí, incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que vão permitir a navegação pelo rio Tocantins. Segundo a governadora Ana Júlia, além do minério e carga geral, as eclusas vão possibilitar o transporte de passageiros e a navegação por pessoas comuns que têm nos rios suas estradas.
As obras das eclusas, iniciadas em 1981 e paralisadas em 1989, foram retomadas em 2004. Para a ministra Dilma Rousseff, Tucuruí encerra um ciclo. “Naquela época as crises eram enfrentadas com base em um receituário que mandava cortar investimentos, prejudicando largamente as obras de infra-estrutura”, disse a ministra. “Nossas obras não serão afetadas pela crise”, assegurou.
VENEZUELA
Segundo o ministro Edison Lobão, se aprovado o estudo de viabilidade econômica do projeto denominado Guri, em parceria com a Venezuela, a usina de Tucuruí poderá ter uma terceira casa de máquina. A proposta prevê que durante um período do ano Guri, na Venezuela, fornecerá energia ao Brasil por meio do Sistema Integrado Nacional e em outro período Tucuruí devolve esta energia, já que o regime de chuva das duas regiões ocorre em períodos alternados.
Com a conclusão desta etapa de geração da usina, 40 milhões de pessoas serão beneficiadas, consolidando o projeto do governo de garantir Luz Para Todos
CEF destina crédito recorde de R$ 4,5 bilhões em outubro para empresas



Ao mesmo tempo em que os bancos privados desviam os recursos do compulsório, que deveriam ir para o crédito, e os colocam na especulação financeira, a Caixa Econômica Federal anuncia, em entrevista coletiva, nesta quarta-feira, ter concedido em outubro R$ 4,5 bilhões em créditos para empresas, o que significa um novo recorde mensal do banco na oferta de crédito neste segmento.
O vice-presidente de Finanças da CEF, Márcio Percival, avaliou que o crescimento da participação da Caixa no mercado se deu em função da retração do crédito pelos bancos privados. “Vínhamos investindo no melhor relacionamento da Caixa com esses clientes e, isso, associado aos problemas de liquidez de alguns bancos, resultou nesses bons números”, disse.
Além disso, a CEF registrou também um lucro líquido de R$ 722,5 milhões no terceiro trimestre do ano (julho a setembro). No acumulado do ano a instituição contabiliza lucro de R$ 3,265 bilhões, o que equivale a expansão de 90% sobre o resultado de igual período do ano anterior.
O balanço mostra ainda que as contratações de crédito somaram R$ 16,1 bilhões de julho a setembro, 22% a mais na comparação com o terceiro trimestre do ano passado, e a presidente da instituição, Maria Fernanda Coelho, assegura que “não faltará recursos para o crédito até o final do ano”. “Nosso foco é o crédito, tanto para pessoa física quanto para pessoa jurídica”, garantiu. No ano, o crédito cresceu 19,9% e as contratações somam R$ 46,2 bilhões, dos quais R$ 23,6 bilhões para pessoas físicas e R$ 22,6 bilhões para empresas.
A presidente da Caixa falou sobre a MP 443 e disse que ela abre uma oportunidade “extraordinária” para o banco. “A MP nos dá condições de competição”, declarou. Com a MP, a Caixa poderá ter uma financeira, uma empresa de leasing e uma distribuidora de títulos e valores mobiliários.
Para Márcio Percival, o momento atual é de um processo “brutal” de concentração bancária e, neste contexto, “todos os bancos vão ter que se instrumentalizar para enfrentar a concorrência”. “Banco público está nessa concorrência, está nessa competição”, disse.
Seguindo as orientações do governo de combater os possíveis efeitos da crise no Brasil, a diretoria da Caixa informou que já adquiriu R$ 11 bilhões em carteiras de crédito de instituições bancárias de menor porte.

sábado, 8 de novembro de 2008

Eleição de Obama derrota ditadura dos monopólios
O presidente eleito definiu o caráter das transformações que os EUA necessitam como “ser responsável não somente por si, mas pelo próximo”
“Esta vitória, por si só, não é a mudança que buscamos. É apenas a chance de fazermos essa mudança”, disse o presidente eleito dos EUA, Barack Hussein Obama, na noite da última terça-feira, definindo o caráter das transformações que os EUA necessitam como “ser responsável não somente por si, mas pelo próximo”.
Com efeito, desde que Franklin Delano Roosevelt, em meio à depressão que se seguiu ao craque de 1929, não havia uma eleição como esta nos EUA.
Como ele mesmo disse, Obama é o eleito mais improvável da história do país: negro, com raízes africanas recentes, tendo passado parte da infância na Indonésia, onde freqüentou uma escola islâmica, apontado como o senador mais à esquerda do Congresso em 2007, adversário da agressão ao Iraque, com um programa de atendimento público nas áreas de educação e saúde, autor, entre outros, de um projeto que protegia a população contra os despejos e de outro coibindo fraudes nas eleições federais. Em suma, ninguém poderia ter um perfil mais oposto ao da casta que domina os EUA há décadas.
Por outro lado, a fraude havia desmoralizado as duas últimas eleições presidenciais dos EUA – em que, para entronizar um desqualificado, milhões de norte-americanos tiveram o voto cassado, milhares de urnas foram, simplesmente, assaltadas, e a Suprema Corte se mostrou, pública e desavergonhadamente, um valhacouto de chicaneiros fascistas.
Não por acaso, a principal figura do governo Bush foi o vice-presidente, Richard Cheney, ex-presidente da Halliburton e articulador do que há de mais aventureiro, mais arrivista e mais vigarista no ramo dos monopólios e cartéis norte-americanos. Alguém, falando do nazismo, notou que o imperialismo, em decadência e sem ninguém que possa ocupar diretamente o governo, acaba recorrendo à marginalidade, ao lumpen, para manter-se no poder. Pelo jeito, ele não recorre apenas aos marginais do tipo de Hitler, mas também à marginalidade monopolista.
MAGNATAS
Jamais a tão falsa quanto propalada “democracia americana” apareceu, diante de cada norte-americano e cada cidadão do mundo, como o que ela, há muito, é: uma ditadura de meia dúzia de magnatas, de monopolistas, dispostos a tudo, ou quase tudo, para prevalecer contra a esmagadora maioria da população – isto é, contra o povo. Os dois mandatos de Bush Jr., com a instalação de um Estado policial, com a instituição da tortura como “método” de investigação de dissidentes, com a suspensão das garantias constitucionais pelos atos impatrióticos, com a escuta e espionagem de lares, bibliotecas, universidades e locais de trabalho, esclareceram quem ainda mantinha dúvidas sobre qual é – ou qual era - o regime vigente nos EUA.
Sobre a devastação – econômica, política, moral, ideológica e militar – em meio da qual vai assumir a presidência, Obama declarou que é um “ótimo momento para ser presidente, pois os EUA, que são normalmente um país conservador, têm agora certeza de que é preciso mudar”. E, realmente, sua trajetória, sempre fiel a alguns princípios, faz com que seja possível ter esperanças.
Desde o fim da Guerra Civil (1865) e o assassinato de Lincoln, a história dos EUA é a história da ditadura dos monopólios financeiros e da luta contra ela. O próprio Lincoln, em seu discurso mais notável, havia advertido sobre o perigo que rondava os EUA, ao conclamar “a nós os vivos” para completar a “obra inacabada (….), que esta Nação com a graça de Deus venha gerar uma nova Liberdade, e que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desaparecerá da face da terra”.
Apenas cinco anos depois da morte de Lincoln, começou uma nova escravidão. Mais sete anos e os direitos dos negros foram, na prática, anulados. Duas décadas após, a Suprema Corte tornou “legal” a segregação racial, suspendendo a 14ª e a 15ª emendas à Constituição dos EUA – a primeira estendia os direitos constitucionais aos ex-escravos, a segunda proibia que um cidadão fosse impedido de votar por questões raciais. Em 1906, o Zoológico do Bronx, Nova Iorque, expôs um africano numa jaula, juntamente com um orangotango.
Ao mesmo tempo, uma feroz perseguição foi desencadeada contra os trabalhadores, negros e brancos – de que são exemplos os assassinatos oficiais dos líderes do 1º de maio de 1886, em Chicago, e a execução de Sacco e Vanzetti, em 1927.
Porém, em meio à crise que dividiu o partido republicano em 1912, o democrata Woodrow Wilson, com uma plataforma anti-monopolista, anti-racista e favorável às revindicações dos trabalhadores, venceu as eleições, e foi reeleito em 1916 - mas não conseguiu concorrer a um terceiro mandato, em meio a uma feroz campanha de infâmias. Wilson realizou parcialmente a sua plataforma, estabelecendo leis e controles anti-monopolistas – e recuou, entre outras coisas, em relação aos direitos dos negros.
Os 12 anos seguintes – 1921 a 1933 – constituem o período mais medíocre, mais ditatorial e mais reacionário da história dos EUA, até a chegada de Reagan e dos Bush. São anos, até 1929, de especulação desenfreada, de desinibida vigarice da banca, de roubo do Estado, de fortunas feitas do dia para a noite no cassino da Bolsa, às custas de excluir a maioria da população, de reprimir a tiros os trabalhadores, em que até os veteranos do exército, com suas famílias, são massacrados em Washington, quando revindicavam o pagamento, atrasado havia oito anos, de seus bônus de guerra.
Mas a crise de 1929, gestada e parida por esse bacanal financeiro, abriu uma brecha no poder dos monopólios. O desemprego campeia, os centros das cidades (incluído o Central Park, de Nova Iorque) transformam-se em favelas, milhões de pessoas andam sem rumo e sem comida nas ruas e nos campos.
No meio desse furacão, Roosevelt foi eleito – e, depois, sucessivamente reeleito, cumprindo três mandatos, sendo eleito para outro, mas falecendo antes de tomar posse. Foi o período mais democrático e progressista da história dos EUA, em que a crise foi conjurada pela limitação à ação dos cartéis e monopólios e pelos programas públicos de obras, de financiamento direto aos produtores, e atendimento à população. Foi também o período em que os EUA melhor conviveram com outras nações e outros povos – inclusive, estabeleceram a aliança com a URSS na luta contra o nazi-fascismo.
ROOSEVELT
Após a morte de Roosevelt, já no governo de seu vice-presidente, Harry Truman, a reação outra vez tenta voltar ao poder. Truman recua em várias frentes; em outras, não consegue sustentar o programa de seu antecessor. Mas, contra todos os prognósticos da mídia, ainda consegue impedir que os republicanos voltem ao governo em 1948, tal a força do período Roosevelt na população norte-americana.
No entanto, o fascismo – com sua tropa de choque, o macartismo – avança sobre o país, as perseguições a democratas, as provocações contra a URSS, o anti-comunismo mais alucinado e delirante. O medo, quase pânico, de que surja um novo Roosevelt, faz com que a reação aprove a limitação da reeleição a presidente, agora restrita a um único outro mandato. Os sindicatos são manietados e os movimentos dos trabalhadores praticamente proibidos pelo Taft–Hartley Act, apesar do veto, derrubado no Congresso, de Truman. Os processos, prisões e condenações – inclusive à morte - por alegada “espionagem” ou alegada “traição” são desencadeados contra as forças mais progressistas da sociedade norte-americana.
Em 1954, outra vez os monopólios, com Eisenhower, instalam-se diretamente no poder. A chantagem nuclear e as operações encobertas da CIA tornam-se os principais aspectos da política externa do país. Internamente, os EUA – e sobretudo o governo dos EUA – são dominados pelo que o próprio Eisenhower, ao se despedir da presidência, chamou de “complexo industrial-militar”.
KENNEDY
No entanto, a crise do final dos anos 50 faz com que, nas eleições de 1960, um democrata, John Kennedy, seja eleito. Durante dois anos, Kennedy lutará contra uma reação extremada a suas medidas. Todos os projetos que Kennedy envia ao Congresso são rejeitados. Por fim, antes que possa ser reeleito, com a perspectiva de uma mudança na correlação de forças no Congresso que realmente ocorreu, Kennedy é assassinado em novembro de 1963.
Os anos seguintes são de disputa intensa. O vice de Kennedy, Lyndon Johnson, afunda o país na agressão ao Vietnã, enquanto internamente, em meio a gigantescas manifestações populares, faz aprovar a Lei dos Direitos Civis, acabando com a discriminação política aos negros – e em 1964 vence o republicano Barry Goldwater, que sintetizou o seu programa de governo em “jogar uma bomba atômica no banheiro do Kremlin”.
Porém, prosseguem os assassinatos de líderes populares: Malcom X é assassinado em 1965. Martin Luther King, em 1968. Em meio à impopularidade da Guerra do Vietnã, os republicanos retornaram ao poder com Nixon, mas isso somente aconteceu após o assassinato do candidato favorito às eleições de 1968, Robert Kennedy. Porém, Nixon, após uma reeleição estrondosa, é obrigado a renunciar para escapar do impeachment, no rastro do escândalo da espionagem sobre a sede do Partido Democrata, no edifício Watergate, em Washington.
REAÇÃO
Com Carter, os democratas chegam ao governo, mas, em 1980, após a eleição de Reagan, a reação estabelece outra vez seu domínio direto sobre o Estado. Reagan e os dois Bush – não por acaso o intervalo dos dois mandatos de Clinton foi de uma turbulência que por pouco não acaba na deposição do presidente – dispensam apresentações. Um historiador norte-americano descreveu esse período como “o mais reacionário da história dos EUA”.
É este período que a eleição de Obama encerra. Não por acaso, em meio à mais profunda crise da história do país – a mais profunda crise dos monopólios, especuladores e parasitas que infestaram os EUA e o mundo a partir de 1980. Uma crise tão violenta que abriu o caminho para um negro, de pai africano e criado na Indonésia pudesse ser presidente dos EUA, vencendo todas as restrições ao voto, todas as fraudes, todo o cortejo anti-democrático que acompanha, há muito, as eleições norte-americanas.
CARLOS LOPES