terça-feira, 23 de setembro de 2008

Os censos da URSS e a fraude do "holocausto ucraniano" (2)





O principal engodo foi apontado por Barbara Anderson e Brian Silver, dois demógrafos muito respeitados: ao estabelecer uma taxa de natalidade superfaturada, omitindo o decréscimo dessa taxa durante a década de 30, Mace conta os que nunca nasceram como se fossem mortos. Os "mortos" são fabricados pelo truque de estabelecer uma falsificada taxa de natalidade
CARLOS LOPES
Depois que Reagan, em 1983, tirou o "holocausto ucraniano" do museu das fraudes históricas, coube a Robert Conquest a tentativa de dar a ele alguma credibilidade. Fez isto através de seu livro "The Harvest of Sorrow" (1986), um prolixo panfleto de mais de 400 páginas segundo o qual Stalin premeditou e provocou, contra o seu próprio interesse como líder da URSS, uma gigantesca fome para eliminar o povo ucraniano nos anos 1932-1933.
Na primeira parte deste artigo, vimos como, diante da insustentabilidade da história - na qual, sem fatos, sem testemunhas e sem vestígios, teriam morrido de fome de 1 milhão a 15 milhões de ucranianos (haja rigor!) - passou-se a um novo método de "cálculo" dos mortos, baseado na manipulação de números dos censos soviéticos: estabelecia-se uma taxa de natalidade irreal, superestimada, para o período entre os dois censos soviéticos anteriores à II Guerra Mundial (1926 e 1939) e, assim, fabricavam-se os mortos com a diferença entre a estimativa fantasiosa, inflacionada, e a população real que havia na URSS em 1939.
O problema é que seu inventor, como mencionamos, não era nada respeitável – um colaborador dos nazistas, terrorista, condenado na Ucrânia e abrigado nos EUA, Walter Dushnyck. Porém, já em 1984 (ano seguinte à da publicação do livreto de Dushnyck), os parasitas da invenção nazista do "holocausto ucraniano" - Robert Conquest, James Mace e outros – pareciam ter descoberto a pólvora. Mas tomaram o cuidado de escantear o verdadeiro autor do método, citando-o marginalmente, ou simplesmente evitando citações. Foi então que se pretendeu dar dignidade acadêmica ao que não era mais do que uma charlatanice de fugitivos dos tribunais para criminosos de guerra.
O aproveitamento acadêmico da tecnologia Dushnyck de manipulação dos censos soviéticos coube ao "pesquisador contratado" de Conquest, James Mace, da Universidade de Harvard.
O motivo de ceder a primazia à Mace, que já vinha fazendo tentativas nesse campo específico da fraude histórica, é que Conquest não sabe lidar com números, exceto quando se trata de dólares. A aritmética extra-monetária nunca foi o seu forte. Em "O Grande Terror" (1968) ele inflou tanto o número dos atingidos pela repressão soviética à sabotagem e conspiração pró-nazista de antes da II Guerra Mundial, que até o fundador da "sovietologia", Alexander Dallin, autor de "Political Terror in Communist Systems", fez questão de declarar que nada tinha a ver com os números de Conquest. Mal sabia Dallin, que tentava dar foros de ciência ao que era apenas propaganda servida em forma de protocolo acadêmico, que em breve (1981) teria que suportar Conquest dentro de seu próprio departamento, na Universidade de Stanford...
Depois da abertura dos arquivos da URSS, então, o livro tornou-se perfeitamente ridículo – exceto em algumas revistas e jornais que pouco se distinguem de uma casa de prostituição.
É verdade que, além da lambança que fez com os números de "vítimas" e na análise dos censos soviéticos, Conquest contribuiu bastante para seu próprio ridículo ao publicar, em 1984, um manual sobre o que os americanos deveriam fazer quando os russos invadissem o país ("What To Do When the Russians Come: A Survivor's Guide" - "O Que Fazer Quando os Russos Chegarem: Um Guia de Sobrevivente"). A intenção era contribuir para a histeria insuflada por Reagan e caterva contra a URSS, faturando uns cobres na onda. Mas, como disse um resenhista norte-americano isento de pendores para a esquerda, foi a propaganda anti-comunista mais hilariante da Guerra Fria.
Voltando aos números, em 2007, no prefácio à uma nova edição de "O Grande Terror", Conquest diminuiu em nada menos do que 7 milhões o número de "vítimas" na URSS durante o período de Stalin, em relação à edição de 1968 - com o mesmo critério com que antes incluiu esses 7 milhões, isto é, nenhum, e com a abertura dos arquivos soviéticos desmentindo o velho e o novo número.
DEMOGRAFIA
Por sua ignorância em aritmética, Conquest cedeu o papel principal na manipulação estatística a James Mace. E, convenhamos, este se esmerou.
Já nos referimos ao seu artigo "Famine and Nationalism in Soviet Ukraine" (1984), publicado pelo órgão da United States Information Agency (USIA), "Problems of Communism". Agora, vamos ao seu conteúdo.
Diz Mace:
"Se subtraímos nossa estimativa da população [ucraniana soviética] pós-fome da população [ucraniana soviética] pré-fome, a diferença é 7.954.000, o que pode ser tomado como uma estimativa do número de ucranianos que morreram antes da sua hora [died before their time]".
O absurdo maior não está nesse perspicaz conceito de "morte antes da sua hora" (não morreu ninguém de velhice na Ucrânia nos 13 anos entre os censos de 1926 e 1939? E, por outro lado, quem morre, por exemplo, num acidente - teve "morte antes da sua hora"? E quem morre jovem de uma doença para a qual, na época, não existia tratamento? Em suma, não há significado em "morte antes da sua hora", exceto atribuir aos comunistas qualquer morte que aconteça – ou mortes inexistentes).
O principal engodo foi apontado por Barbara Anderson e Brian Silver, dois demógrafos muito respeitados, ainda que sejam do tipo que acha científico fazer cálculos sobre o "excesso de mortes" na URSS. Apesar disso, por não serem ignorantes em seu campo de estudos, não querem sua reputação profissional atirada na mesma vala de Mace, Conquest, Dushnyck e outros.
Exatamente como Dushnyck, ao estabelecer uma taxa de natalidade superfaturada, omitindo o decréscimo dessa taxa durante a década de 30, Mace conta os que nunca nasceram – isto é, a inexistente população fabricada por sua falsa taxa de natalidade - como se fossem mortos (cf. Barbara Anderson e Brian Silver, "Demographic Analyis and Population Catastrophes in the USSR", Slavic Review, 44, Nº 3, 1985, págs. 517 a 519).
Resumindo: o "déficit" populacional ucraniano de Mace (quase 8 milhões de pessoas) foi forjado por ele mesmo, ao usar uma taxa de natalidade falsa.
Os resultados de Barbara Anderson e Brian Silver tinham outro inconveniente para a dupla Conquest/Mace: eles eram coerentes com os resultados alcançados por um de seus alvos de difamação, o estatístico e demógrafo Frank Lorimer, que em 1946, em Genebra, publicou, sob o patrocínio da ainda existente Liga das Nações, o livro "The Population of Soviet Union: History and Prospects".
Lorimer era um homem de imensa notoriedade em sua área de trabalho – quase sempre, justificada. O problema de Conquest e Mace era (e é) que os resultados de Lorimer tornam impossível que houvesse 14,5 milhões - ou 10 milhões, ou 5 milhões, ou mesmo 3 milhões - de mortos de fome somente na Ucrânia entre 1932-1933, porque ele calculou para toda a URSS um "excesso de mortes" entre 3,2 milhões e 5,5 milhões entre 1926 e 1939.
É justo observar, como fazem Barbara Anderson e Brian Silver, que Lorimer diz, em seu livro: "Há, naturalmente, muitas outras fontes de possível erro em todas essas computações. Conseqüentemente, estes resultados devem ser aceitos com muitas reservas" (Frank Lorimer, "The Population of Soviet Union: History and Prospects", Liga das Nações, Genebra, 1946, pág. 240, citado por Anderson e Silver, art. cit.).
Era inevitável que Conquest e Mace tentassem difamar Lorimer – que já havia falecido quando Conquest publicou "The Harvest of Sorrow".
Entretanto, como observou um comentarista, escrevendo no "Challenge", de Nova Iorque, o estudo de Silver e Anderson é ainda pior para o "holocausto ucraniano" (e para Conquest e Mace) que o de Lorimer:
"De fato, Anderson e Silver dão a impressão de acreditar que o número total [das 'mortes em excesso' para toda a URSS] é, de longe, menor do que isso. Usando sua [Taxa de] Alta Mortalidade Presumida, que 'aproxima as taxas de mortalidade que Lorimer pensou que efetivamente prevaleciam na URSS como um todo em 1926-27, mais altas do que aquelas oficialmente relatadas', das [taxas de mortalidade] de 1939, pode ter havido somente 500 mil 'mortes em excesso' entre as pessoas vivas em 1926" (Challenge, New York, ed. de 04/03/1987).
Em meio à maior luta de classes da História, isso é menos do que os mortos admitidos oficialmente na Guerra Civil dos EUA (620 mil mortos). Com a diferença de que a Guerra Civil norte-americana durou 4 anos (1861-1865) - menos que um terço dos 13 anos de História da URSS aqui considerados (1926-1939).
NEO-MANIPULAÇÃO
Até agora, não há novidades em relação a Dushnyck. O que James Mace faz é apenas plagiar o ex-terrorista e ex-colaborador dos nazistas, que, provavelmente, não imaginou que o seu método pudesse fazer tanto sucesso em Harvard e Stanford. Aliás, nem deve ter percebido que era um método.
Porém, Mace resolveu dar o seu toque pessoal: "provar" a existência do "holocausto ucraniano", através do censo soviético de 1959, ou seja, mais de três décadas depois do censo de 1926.
Diz ele:
"Nós podemos achar traços da fome procurando [no censo de 1959] por regiões onde o número de camponesas (o segmento menos móvel da população) nas faixas de idade que teriam nascido imediatamente antes ou durante a fome é anormalmente pequeno. Estas regiões existem na Ucrânia Soviética, uma nação de tradições ferozmente independentes; nas regiões habitadas por grandes populações cossacas, também ferozmente independentes; e nas áreas dos alemães do Volga" (carta de Mace ao professor Jaroslaw Rozumnyj, 04/02/1984, citada por Douglas Tottle, "Fraud, Famine and Fascism", Toronto, 1987, pág. 72. A nota de Tottle – pág. 149 – para esse trecho é a seguinte: "Uma cópia desta carta enviada por Mace ao Comitê Canadense Ucraniano – UCC – foi apresentada em uma reunião do Conselho Escolar de Winnipeg em 14 de fevereiro de 1984, para apoiar a campanha do UCC de incluir o tópico da "fome-genocídio" no currículo escolar").
Com essa novidade, Mace conseguiu superar Dushnyck com vários corpos de distância. Pelo menos, Dushnyck se limitou aos censos de 1926 e 1939. Assim, não teve que ignorar, como faz Mace, que entre 1933 (o início da suposta "fome") e 1959 houve um acontecimento histórico denominado II Guerra Mundial – que foi decidido, precisamente, na URSS, e que teve na Ucrânia algumas das suas batalhas mais sangrentas, assim como alguns dos maiores massacres de toda a História humana. Por falar em genocídio, segundo a Larousse, o maior de todos os tempos foi, exatamente, o realizado pelos nazistas na URSS, onde 15% da população, comprovadamente, morreu durante a invasão alemã.
Douglas Tottle observa, por exemplo, que, entre 1941 e 1943, a região ucraniana da cidade de Kharkov foi terreno de quatro das maiores batalhas da II Guerra – e que somente sobreviveram metade dos habitantes da cidade.
Da mesma forma, Mace omite que 600 a 700 mil dos "alemães do Volga" (colônias alemãs que existiam às margens desse rio) foram deslocados da região pelo governo soviético em 1941, quando os nazistas se aproximavam, por motivos óbvios (aliás, os alemães do Volga já haviam sido base das hordas "brancas" e estrangeiras durante a Guerra Civil, logo após a Revolução).
"Além de ignorar aqueles que residiam [nessas regiões] nos anos 30 que morreram ou foram deslocados devido à guerra, Mace também ignora o vasto número que partiu para outras áreas e repúblicas durante o período de reconstrução em massa do pós-guerra. Em resumo, o censo de 1959, como o próprio Mace sabe, revela padrões demográficos atribuíveis primariamente aos desenvolvimentos pós-1941. (....) Pode-se concluir que qualquer admissão da [ocorrência da] II Guerra Mundial foi vista por Mace como um fato em detrimento de seu caso – ele não trata do genocídio nazista, buscando somente convencer os leitores do 'genocídio comunista'" (Tottle, op. Cit.).
Resta dizer apenas que com essa manipulação dos números do censo de 1959, Mace, ao omitir o efeito da II Guerra Mundial sobre a população ucraniana e russa, inocentou os nazistas dos hediondos crimes que praticaram na URSS – todos os que morreram na guerra e nos massacres de civis, todas as vítimas do nazismo, foram, através desse embuste, atribuídas a Stalin. O que, provavelmente, era mesmo a intenção.

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