domingo, 13 de julho de 2008



Manter "marco regulatório" é dar bilhete premiado às transnacionais estrangeiras
Fernando Siqueira: Pré-sal expôs que a atual Lei do Petróleo é incoerente
Fernando Siqueira é diretor de Comunicações da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), entidade que presidiu durante quatro mandatos, e conselheiro da Petros (Fundação Petrobrás de Seguridade Social). Denunciou que a Lei do Petróleo de FHC é inconstitucional, fruto do lobby do cartel. "Os brasileiros são os donos das reservas do pré-sal. O Brasil é um país soberano, não uma colônia da Shell ou da Chevron. Então por que o nosso país não pode colocar leis em seu benefício?"

No recente Congresso Mundial do Petróleo, em Madri, foi dito que, com a descoberta de petróleo no pré-sal, há uma corrida agora para evitar que o governo brasileiro modifique a legislação e deixe as grandes corporações de fora dos lucros bilionários. Quais as principais mudanças que o Sr. defende na Lei do Petróleo?
SIQUEIRA - A Lei 9478/97, além de desrespeitar o artigo 177 da Constituição Federal, que estabelece que o Monopólio do Petróleo é da União Federal, desrespeita a si própria: o seu artigo 3º diz que as jazidas de petróleo pertencem à União; o artigo 21 estabelece que o produto da lavra das jazidas pertença à União. Contudo, o artigo 26, fruto dos lobbies internacionais, contrariando os artigos citados, estabelece que quem produzir o petróleo é o dono dele.
Outro ponto: a Lei estabelece uma participação especial para a União sobre o produto da lavra. O Dec. 2705, que define esta participação, estabelece percentuais que variam de 0 a 40% apenas. Enquanto isto, no mundo, os países produtores e exportadores recebem 84% do produto da lavra. Com a descoberta do pré-sal ficou muito evidente o absurdo do marco regulatório criado por FHC. Hoje, o país recebe menos da metade do que recebem os demais países. Não dá para aceitar isto, ainda mais sabendo-se que não há mais riscos no pré-sal. É óleo já descoberto, de alta qualidade e em volume que coloca o Brasil como 4ª reserva mundial, sendo as três primeiras localizadas no Oriente Médio, zona de altos conflitos.
A corrida é porque as multinacionais trabalharam o atual marco regulatório a seu favor e não querem mudança. Querem continuar recebendo "bilhetes premiados".
Atualmente, a União tem direito a no máximo 40% de Participação Especial na produção feita pelas concessionárias. Com a mudança na lei, como se daria a distribuição da remuneração?
SIQUEIRA - Como foi dito acima, o mínimo aceitável que deve se destinar à União é 84%, que é a média de participação em todo o mundo. Assim, suponhamos que a Petrobrás seja a encarregada da explotação do pré-sal: 16% da produção caberiam a ela. Mesmo tendo 40% das ações no exterior, isto representaria só 6,4% (40% de 16%), mas a União ficaria com 90,4% da produção (84 + 6,4%), pois ela ainda detém 40% das ações da Petrobrás. Além disto, temos sugerido ao BNDES, ao Governo e à própria Petrobrás a recompra das ações da Companhia, vendidas em Wall Street, voltando a empresa a ser uma estatal renacionalizada. A Petrobrás foi concebida assim, para executar o monopólio da União.
Raciocinando com números: o pré-sal tem uma reserva estimada em 90 bilhões de barris. A tendência é de subida irreversível do preço, em face de estarmos em pleno terceiro choque mundial do petróleo. Este choque se deve ao fato de que a produção mundial (oferta) chegou ao pico previsto pelos especialistas, enquanto a demanda continua crescendo fortemente. Já se fala em US$ 500 por barril nos próximos 5 anos. Mas supondo, para raciocínio, que seja US$ 200/barril: os 90 bilhões de barris valeriam US$ 18 trilhões, que pertencem ao povo brasileiro. É uma fortuna que daria para repor o Brasil no seu destino de país mais viável do planeta. Dá para investir muito em educação, saúde, saneamento básico, infra-estrutura, meio ambiente, Pesquisa e Desenvolvimento, além de retirar 60 milhões de brasileiros da miséria vergonhosa em que se encontram hoje. Portanto, como aceitar a entrega de mão beijada de 60% desse patrimônio a transnacionais estrangeiras, em detrimento do seu verdadeiro dono, o povo brasileiro?
A ANP quer exumar a 8ª Rodada de Licitações, que contém blocos da borda do pré-sal. É oportuna a manutenção dessas licitações antes da alteração da Lei 9.478/97 quando a própria agência diz que o bloco SM 857, arrematado pela italiana ENI, faz parte dessa nova província petrolífera?
SIQUEIRA - Os leilões são inoportunos em qualquer circunstância. Temos tecnologia e capacitação, não precisando de aproveitadores de fora. As descobertas das jazidas já foram feitas. O volume é monumental As corporações transnacionais, além de só fazerem propostas para áreas onde a Petrobrás correu riscos, se associam a ela para sugar uma tecnologia que não dominam e que a Petrobrás desenvolveu.
O 8º leilão além de impor restrições absurdas à Petrobrás (se ela arrematasse um único bloco na área de Campos e adjacências não poderia comprar outro), possui 10 blocos na borda do pré-sal. Com a atual tecnologia de perfuração horizontal, se pode avançar até 10km do ponto de perfuração. É evidente que quem arrematar os blocos na borda do pré-sal poderá fazer furos direcionais pré-sal adentro. Fizemos essas denúncias ao Ministério Público Federal, que solicitou suspender os leilões.
Quanto representa das reservas do pré-sal os 41 blocos retirados da 9ª Rodada de Licitações?
SIQUEIRA -É difícil dizer sem que eles tenham sido perfurados. Os dados que se dispõe hoje são dados sísmicos e quem diz se tem ou não petróleo é a broca. Como ela ainda não chegou aos reservatórios desses blocos fica difícil estimar, entretanto, grosso modo, pode-se dar uma estimativa da ordem de 60%.

Segundo a ANP, no primeiro quadrimestre o Brasil importou mais do que exportou petróleo e há quem estime que possa fechar o ano com déficit. A produção está sendo insuficiente ou é a política de exportação que precisa ser revista?
SIQUEIRA - O Brasil exporta uma quantidade de petróleo pesado para trocar por petróleo leve e atender o nosso perfil de refino. Antes do pré-sal o Brasil não tinha petróleo para exportar, mas exportava uma quantidade, crescente, acima da necessária para troca para atender as necessidades financeiras do governo e as exigências de lucros dos acionistas americanos. Combatemos essa prática, que vem aumentando, como predatória e anti-estratégica para o País. Sem o pré-sal iríamos voltar a ser importadores em menos de 10 anos, com os preços na estratosfera.
Quanto à ANP, o que ela tenta provar é que é preciso vir capital externo para aumentar a produção nacional. O Haroldo Lima virou lobista estrangeiro.
Como o Sr. avalia a ida do diretor da Halliburton, Nelson Narciso, para a ANP, sendo o responsável por controlar o banco de dados sobre o petróleo no país?
SIQUEIRA - A Halliburton resolveu eliminar os intermediários e colocou um elemento seu na direção da ANP para comandar os leilões. Foi ele que instituiu as restrições para a Petrobrás, tendo declarado na imprensa que eliminaria o monopólio de fato. Estes fatos atestam que as agências reguladoras foram criadas para defender interesses das multinacionais e não do povo brasileiro. Outro fato que atesta a inconveniência da autonomia das agências é a vulnerabilidade a que são expostos seus dirigentes. O Haroldo Lima foi, durante mais de 60 anos, um histórico nacionalista, defensor da soberania e das riquezas nacionais. Com dois meses na direção da ANP, deu uma guinada de 180 graus e se transformou num entreguista renitente e, mais do que isto, num ferrenho lobista, ombreando com o presidente da Repsol, empresa do Banco Santander, que é um braço do Scotland National Bank Co. Que é do Capital Anglo-Saxônico-Holandês/Americano que domina o sistema financeiro mundial.
Gostaria que o Sr. comentasse declarações de executivos de duas das maiores corporações transnacionais no Congresso realizado na Espanha. O presidente da Exxon, Rex Tillerman, disse saber "que os brasileiros e seu governo querem extrair petróleo [do pré-sal]. Mas não podem colocar leis que vão dificultar isso". Já o vice-presidente da Chevron, John Wattson, afirmou que é preciso ficar atento "às tentações nacionalistas e protecionistas".
SIQUEIRA - Acho que é uma tentativa de ingerência absurda, arrogante e inaceitável, mas que mostra como as corporações do petróleo não são muito respeitadoras das regras da boa convivência internacional e inter-empresarial. Os brasileiros são os donos das reservas do pré-sal. O Brasil é um país soberano, não uma colônia da Shell ou da Chevron. Então por que o país não pode colocar leis em seu benefício?
Acho ainda que essas empresas estão no desespero porque, como tem mostrado a imprensa internacional, a tendência atual é que o cartel das 7 irmãs privadas, do qual elas fazem parte, desapareça nos próximos 5 anos por falta de reservas. Elas estão se fundindo para tentar sobreviver, já são apenas 5 irmãs, e detêm apenas 3% das reservas mundiais de petróleo.
Em contrapartida, as novas irmãs são 8, são estatais e detêm mais de 60% das reservas mundiais. São elas: Saudi Aramco, Inoc (Iran), Petrochina, Petronas (Malásia), PDVSA (Venezuela) Pemex (todas 100% estatais), Petrobrás e Gazprom (Rússia), renacionalizada. Assim, modernidade hoje, é o setor de petróleo ser estatal, com tendência a aumentar essa estatização em face da importância estratégica do petróleo, mormente agora que estamos em pleno 3º e irreversível choque mundial decorrente da chegada ao pico de produção (oferta).
Os EUA, que consomem mais de 30% da produção mundial, estão numa situação desesperadora: consomem 10 bilhões de barris por ano, sendo 8 internamente e 2 nas suas bases militares, têm reservas de apenas 29 bilhões. Por isto, como bem mostrou o "Le Monde Diplomatique", de junho de 2008, é preocupante a reativação da 4ª frota americana. O pré-sal pode ser um dos motivadores

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